sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Texto auxiliar para a discussão!

Para movimentar ainda mais a discussão, posto abaixo um trecho do texto de Kant em resposta à pergunta: O que é o esclarecimento (Aufklärung)?.

"A preguiça e a covardia são as causas pelas quais uma tão grande parte dos homens, depois que a natureza de há muito os libertou de uma direção estranha (naturaliter maiorennes), continuem no entanto de bom grado menores durante toda a vida. São também as causas que explicam por que é tão fácil que os outros se constituam em tutores deles. É tão cômodo ser menor. Se tenho um livro que faz as vezes de meu entendimento, um diretor espiritual que por mim tem consciência, um médico que por mim decide a respeito de minha dieta etc., então não preciso esforçar-me eu mesmo. Não tenho necessidade de pensar, quando posso simplesmente pagar; outros se encarregarão em meu lugar dos negócios desagradáveis. A imensa maioria da humanidade (inclusive todo o belo sexo) considera a passagem à maioridade difícil e além do mais perigosa, porque aqueles tutores de bom grado tomaram a seu cargo a supervisão dela. Depois de terem primeiramente embrutecido seu gado doméstico e preservado cuidadosamente estas tranquilas criaturas a fim de não ousarem dar um passo fora do carrinho para aprender a andar, no qual as encerraram, mostram-lhes em seguida o perigo que as ameaça se tentarem andar sozinhas. Ora, este perigo na verdade não é tão grande, pois aprenderiam muito bem a andar finalmente, depois de algumas quedas. Basta um exemplo deste tipo para tornar tímido o indivíduo e atemorizá-lo em geral para não fazer outras tentativas no futuro."

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

A nova cultura de informação (continuação)



Resolvi acrescentar mais alguns argumentos ao texto que havia postado antes e incrementar a discussão com um pouco de sarcasmo e analogias figurativas. Outra noite, antes de deitar, assistia a um desses programas da madrugada e não pude deixar de notar um velho ditado utilizado pela nutricionista que tentava justificar seu argumento, a saber, " você é o que você come"! Não discutirei os argumentos da nutricionista que pretendia defender a idéia de uma alimentação saudável livre de excessos e tudo mais, e nem serei sarcástico o suficiente para dizer que se como somente folhas eu sou um vegetal. Não é esse o ponto a discutirmos aqui, mas a sabedoria popular que é capaz de expressar em um simples ditado situações tão peculiares. Se lembrarmos bem do argumento que utilizei para justificar a aceitação acrítica da informação recebida e da analogia para representar tal aceitação, veremos grande semelhança com o ditado aqui referido. A nutricionista defendia a idéia de que uma pessoa cuja alimentação é baseada em grande quantidade de gordura e carboidratos não será outra coisa senão a expressão física desse tipo de alimentação, em outras palavras, uma pessoa com excesso de peso e colesterol alto. Nesse sentido, pode-se dizer tranquilamente que essa pessoa é o que ela come. Pra não deixarmos os fanáticos por carboidratos ofendidos, lembro que ela também citou a alimentação daquelas pessoas que não fornecem a quantidade básica necessária de carboidratos e gordura para o corpo, o que se manifesta fisicamente neste, dando-nos o direito de dizer que essa pessoa é justamente aquilo que ela come (ou aquilo que ela não come, nesse caso). Tendo essa referência sido estabelecida para auxiliar minha analogia, uma vez que nem tenho capacidade de adentrar em uma discussão sobre qualidade de alimentação (a minha não é lá essas coisas), vejamos a relação entre os tres pontos anunciados: a nova cultura de informação, o ditado citado e o argumento da nutricionista. De início preciso admitir que me causa um certo desconforto querer levar a cabo essa tripla analogia, pois não acredito que sairei dela ileso, mas não posso furtar aos interessados o desfecho dessa perigosa empreitada. A princípio a primeira analogia que se manifesta, e aquela bem aparente dados os argumentos já postos, é a de que "nós somos a informação que 'engolimos'", ou, se os mais sensíveis intelectualmente preferirem, "nós somos a informação que nos é colocada goela abaixo". Cotejemos a propaganda. Não que eu queira me gabar, mas me considero um razoável apreciador de cerveja (infelizmente não me pagam para isso), mas uma coisa que me causa grande espanto é a propaganda da cerveja. Às vezes sinto uma imensa vontade de me levantar da poltrona pegar o telefone e chamar os amigos para um churrasco regado a caixas de skol cada vez que vejo várias de suas propagandas, tão bem elaboradas, tão convincentes e tão bem desenvolvidas, mas com um produto da mais baixa qualidade. Pergunte a qualquer "botequeiro" que se preze e ele te dirá: "skol é água pura!". Mas mesmo assim a maior parte da população que bebe a cerveja popular bebe skol. Nossos jovens, se é que posso chamá-los de nossos, já iniciam sua carreira social com a latinha de skol na mão, que propicia maior status e aceitação do que uma latinha de Baden. A propaganda exerce o seu papel muito bem, e ao consumidor cabe exercer o seu. Logo, retomando o princípio do ditado, aquele que bebe skol é um péssimo "bebedor de cerveja", dada a baixa qualidade da mesma (por outro lado ele pode ser considerado como um ótimo consumidor da falsa propaganda). As analogias não param por ai, e o tipo propaganda também não. Aliás, para não perder o horizonte estabelecido pela tripla analogia, o conceito de propaganda deve ser ampliado, assim com foi o de cultura de informação em nosso post anterior. Melhor ainda, essa ampliação do conceito de propaganda aqui pretendida deve estar contida dentro daquela concepção de nova cultura de informação, que como veremos não é nada nova, apenas o reconhecimento como tal se mostraria novo. Poderíamos retomar vários eventos históricos para justificar o argumento, como a máquina de propaganda criada pelo movimento do nacional-socialismo da Alemanha de Hitler, ou o período de ditadura no Brasil e sua censura, entre outros. Não há como negar, informação, em sua acepção mais ampla, é sempre repassada, de um jeito ou de outro, de cunho político ou religioso, mercadológico ou anti-consumista. A pergunta é: "você é o que você come?" Eu mesmo tenho medo de minha resposta. Mas não podemos deixar de finalizar a tríplice analogia (se é que se poderia julgar ser possível fecha-la em tão breves palavras). Como a nutricionista havia dito em sua entrevista, o indivíduo manifestaria fisicamente o alimento ingerido, do mesmo modo acreditamos acontece com aquela esponja acrítica, a qual é o retrato fiel do alimento ingerido. Assim foram os nazistas, assim são os radicais religiosos, e não só muçulmanos, mas cristãos, judeus, etc., assim são os ávidos por consumo, na triste e amarga ilusão vendida de que no ato da compra a satisfação existencial estará garantida, entre outros. Se uma simples propaganda de um belo carro com uma bela mulher consegue comover e compelir o homem moderno a assumir aquilo como um princípio de vida, imagine o que propagandas milenares fundadas em mentiras que mexem com o imaginário do homem, como as propagandas das religiões, passadas de geração pra geração, podem fazer com esse mesmo homem. Imagine a propaganda de um inferno que o espera para te consumir, caso você não siga certos preceitos, sendo contada há milenios. Imagine a propaganda de 72 virgens à sua espera caso você morra em nome de alguém que nunca conheceu. Não é simples romper com esse ciclo imposto por essa cultura de informação desde os primórdios do homem, e por mais que seja indesejado por essa sociedade estática que pretende se fundar em mentiras, é necessário que haja questionadores, mesmo que sejam aqueles que façam simples perguntas como: O QUE É QUE VOCÊ COME?
P.S: Olhem bem a imagem acima! Alguma coincidência?

Thiago Oliveira

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

A nova cultura de informação


Em sua teoria da educação, exposta naquela que pode ser considerada sua maior obra, A República, Platão nos diz claramente que "aqueles que contam histórias (fazendo alusão aos rapsodos) devem ser vigiados, pois deixam na criança um traço mais duradouro do que os que cuidam do corpo". Não pude deixar de notar o quanto essa análise de Platão está presente naquilo que pretendo chamar aqui de "cultura da informação". Essa cultura da informação deve ser entendida para além do simples conceito veiculado de que a informação nos é dada pelos mecanismos e meios de comunicação estabelecidos pela sociedade contemporânea. A informação deve ser entendida, assim, como toda e qualquer transmissão de idéias feita pelo ser humano. Desde criança somos treinados a escutar antes mesmo de processar as informações que nos são passadas. O próprio fato de recebermos um nome para atendermos ao chamado desse nos indica esse treinamento, que não acredito ser instintivo, para a escuta. Como o próprio Platão diz, é na infância que encontramos o homem em sua fase mais maleável e suscetível de formação. Posto isso, não se pode negar que desde a mais tenra infância somos treinados a receber informações de todo o tipo, por outro lado, em momento algum somos treinados, mesmo que superficialmente, para analisar e processar, de modo crítico, todas as informações recebidas. Ao recebermos a informação, transmitida como uma ordem por nossos pais ou responsável, de que não se deve colocar o dedo na tomada não nos é permitido refletir sobre tal informação, cabendo apenas acatá-la com a respectiva e singela explicação de que tomaria um choque e me machucaria. Não quero com isso sugerir que os filhos se insurjam contra os pais e muito menos dizer que a criança teria plena e total capacidade de discernir o que é colocar o dedo na tomada entre outras coisas. O que pretendo é ressaltar que esse treinamento para a escuta e recebimento de informação já se inicia na infância, momento de maior maleabilidade na formação de nossa personalidade, e encontra seu ápice já na fase adulta. As idéias incutidas desse modo na mente de uma criança podem se tornar, na fase adulta, justamente as convicções opostas àquelas que supostamente deveria possuir. É assim que todo tipo de crença, superstição, pré-conceitos, etc., são impostos às pessoas, as quais não tem outra saída, devido ao treinamento que lhes foi dado desde a infância, a não ser repetir tais opiniões na vida adulta. É a partir disso que chegamos ao ponto principal de nossa breve análise: devido a esse treinamento para a escuta acrítica das informações, a sociedade contemporânea tende aceitar com grande facilidade as informações que lhes são jogadas goela abaixo, seja pelos meios de comunicação e sua propaganda deturpada, seja pelas idéias de um líder religioso, seja por amigo, etc. Se enquanto crianças somos treinados para ser uma esponja, enquanto adultos somos a configuração perfeita dessa esponja em atividade. Mas essa facilidade com que se manifesta a aceitação das idéias transmitidas por essa cultura de informação não é acidental ao indivíduo que a recebe. Como afirmamos, o treinamento para a escuta acrítica se inicia na infância, é reafirmado e consolidado na adolescência, encontrando no indivíduo já formado sua efetivação completa. Esse fenômeno da aceitação da informação recebida sem o mínimo critério de avaliação está presente inclusive no meio acadêmico. Por um lado se percebe um comodismo intelectual nos pesquisadores em diversas áreas do mundo acadêmico, os quais preferem se ancorar literalmente nas idéias já consagradas por grandes autores e simplesmente se relegam à função de nada mais fazer do que reproduzir aquele pensamento com a desculpa escarrada de que estão propondo uma nova leitura ou uma explicação mais adequada do autor defendido. Por outro lado, as próprias instituições rejeitam de maneira imediata qualquer tipo de manifestação de pensamento livre que se considere crítico. Com isso nos deparamos com um incomodante paradoxo: como nos livrar desse estado de esponja consolidado se ao mesmo tempo nos colocamos como essa esponja receptora e acrítica? Se há algum papel para os filósofos da contemporaneidade, sem eximir dessa função outras áreas, esse papel seria o de promover a libertação desse estado de esponja acrítico e possibilitar, através de uma guerra ferrenhe contra a cultura de informação, o acesso às próprias capacidades críticas do ser humano, o qual deverá passar desse estado acrítico para um crítico. Tal processo não é simples, nem pretendo nesse breve texto apontar o modo como isso deve ser feito. Ao expor o problema e colocar a pergunta: qual a saída desse estado de esponja acrítico?, acreditamos tornar possível a saída desse estado, uma vez que reconhecido o problema não haverá como escapar do incomodo causado por ele.

Thiago Oliveira

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Justificativa

"Pior não é o carrasco que vive a lançar seu machado, mas o covarde que inclina o pescoço à sua vontade". Talvez passe despercebido a muitos, mas nada pode causar maior espanto do que a recorrente aceitação acrítica de uma realidade deturpada e o comodismo dominante presente em todas as camadas sociais. A iniciativa de criar esse blog não surgiu de uma decisão repentina nem foi de fácil assentimento. Ciro e eu partilhamos, já faz algum tempo, de um certo desconforto causado não só pela convivência habitual com certas situações à qual somos obrigados pela vida acadêmica, mas também, e talvez principalmente, com a apatia constante relativa a certos problemas por nós percebidos. Sendo assim, a idéia do blog veio ao encontro de nossos anseios em tornar explícito, através dos nossos "olhos", aquilo que pensamos a respeito dessa realidade deturpada. É nesse sentido que batizamos o blog com uma palavra grega bem sugestiva "Sphodras". Tal adjetivo feminino significa "violenta", "veemente", "fortemente", "severamente", etc. Contra a percepção de um mundo cheio de apatia, nada melhor que a violência proporcionada pela palavra. Um bom discurso encontra na raiva uma forte companheira. Assim, é com violência que aqui lançaremos esses discursos. Sejam todos bem vindos ao diálogo, e que "sphodras" aqueles que não concordarem!

Thiago Oliveira