Vem de Brasília, como não poderia deixar de ser, a novidade no festival de excentricidades em que se constitui a política nacional. Uma nova sigla deverá ser acrescentada à encorpada sopa de letras que define nosso sistema partidário. Depois do PSD do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, provavelmente passaremos a contar, já nas eleições municipais de 2012, com o PPL (Partido Pátria Livre). Basta que os doutos senhores da corte máxima da Justiça Eleitoral brasileira, o TSE, concedam registro definitivo à legenda.
Não se trata de desprezo pela democracia, pelo pluralismo de idéias e pelo sagrado direito fundamental dos cidadãos – oportunamente garantido pela Constituição Federal de 1988, a primeira pós- ditadura militar – de se manifestar livremente e de participar da arena partidária nacional por meio de legendas que representem suas convicções político-ideológicas.
Muito pelo contrário. O que motiva este artigo e inspira a análise que fazemos sobre as novas legendas é o mais puro espírito democrático. Mas de que democracia falamos? A preconizada pelo filósofo e historiador italiano Norberto Bobbio, falecido em 2004. Para Bobbio, a democracia se fundamenta em três princípios: a ética, a honestidade e o respeito aos interesses da maioria, acima dos individuais.
Com a palavra, o autor: “Não há boa democracia sem costume democrático, e costume democrático significa ser honesto no exercício dos próprios negócios, leal nas trocas (…), respeitar a si e aos outros, estar consciente das obrigações, não somente jurídicas, mas também morais, que cada um de nós tem para com o próximo (…); enfim, saber distinguir e não confundir interesses privados e públicos”.
Inspirado neste conceito de democracia, este artigo se propõe a levantar uma dúvida crucial: a criação destes dois novos partidos representa, efetivamente, os interesses do conjunto da sociedade brasileira? Mais: no extenso leque de 27 siglas existentes no cenário partidário nacional, não há absolutamente nenhuma que traduza as aspirações dos criadores destas siglas?
Ruim com os partidos, pior sem eles, reza a cartilha da democracia política verde e amarela, que se assenta no pluralismo. Mas o fato é que, pluralismo à parte, quem paga a conta da criação de novos partidos somos nós, os contribuintes. Afinal, diferentes dos contribuintes, as legendas usufruem o privilégio de não pagar impostos, prerrogativa garantida pelo artigo 150 da Constituição Federal de 1988. Veiculam propaganda no horário eleitoral gratuito à custa da isenção de impostos das emissoras de rádio e TV.
E, sim, recebem dinheiro público. Está lá no site do TSE, para quem quiser conferir: de janeiro a julho de 2011, o Orçamento da União garantiu ao Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos cerca de 302 milhões de reais – 265,35 milhões de reais referentes aos duodécimos (o valor garantido a cada partido proporcionalmente à sua representação no Congresso Nacional) e 36,13 milhões de reais referentes às multas pagas pelos eleitores e candidatos condenados judicialmente).
Quem recebeu a maior bolada foi o PT (33,11 milhões reais), mas mesmo o quase desconhecido PCO (Partido da Causa Operária), o lanterna da lista, ganhou nada desprezíveis 303 mil reais. Com a ajuda do colega Silênio Vignoli, lembramos: dos 27 partidos brasileiros, apenas 22 têm representação na Câmara Federal e oito (1/3, portanto) têm apenas de um a quatro deputados.
Disto recorre o óbvio: o fato de se criar uma nova estrutura partidária não é garantia suficiente para a existência da representatividade. Esta só se dá de fato, como nos ensina Bobbio no texto que citamos, quando os interesses coletivos superam os individuais e quanto a sigla em questão tem efetiva base na maioria – de preferência, popular.
A diversidade de idéias políticas não é sinônimo de ética e nem de inteligência. Da forma como o sistema partidário tem sido conduzido, o que temos é um pluralismo às avessas, no qual a defesa das convicções de um grupo – muitas vezes sem nenhuma base no movimento social – é custeada por todos. Ou seja: as convicções são pessoais, mas quem paga a conta pela sua defesa é o coletivo. Há algo de errado no sistema partidário brasileiro. E a culpa não está nos milhões de eleitores que exercem seu sagrado direito de voto, a cada dois anos.