domingo, 13 de novembro de 2011

A mídia vende “o espetáculo”, é o “antijornalismo”

publicada sexta-feira, 11/11/2011 às 09:25 e atualizada sexta-feira, 11/11/2011 às 12:31

Moção de repúdio

Nós, estudantes de Comunicações e Artes da ECA/USP, viemos explicitar o nosso repúdio à maneira como a imprensa hegemônica tem exposto os acontecimentos recentes no campus da USP.

Estamos constrangidos com a maneira preguiçosa e irresponsável como a imprensa e a televisão têm feito seu trabalho, limitando-se a vender o espetáculo originário de uma cobertura superficial e pautada no senso comum.

Entendemos as comunicações e as artes como agentes essenciais na conscientização e na transformação da sociedade. Para isso, o jornalismo não pode ser um mero reprodutor de discursos circulantes, mas sim um instigador de debates e inquietações.

O que assistimos recentemente foi uma reprodução incansável de estereótipos, que só serviram para manipular a opinião pública contra as lutas que são primordiais dentro do campus.

Como estudantes de universidade pública, é também nosso papel questionar a maneira como a mídia trata os movimentos sociais, principalmente como ela tem tratado o movimento estudantil. Buscar entender as raízes do problema exige apuração minuciosa, princípio básico do jornalismo. Posições existem, mas elas não podem ocultar ou distorcer fatos.

O nome do que está sendo praticado é antijornalismo. A sociedade não financia a nossa formação para sermos profissionais como esses.

Escola de Comunicações e Artes
Assembleia Geral dos estudantes da ECA

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Ocupação patética, reação tenebrosa | Carta Capital

Um texto sóbrio, equilibrado.
Em tempos de polaridades, nada melhor que o princípio aristotélico da justa medida.

Ocupação patética, reação tenebrosa | Carta Capital

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Augusto Cury: um mestre da imodéstia

Não gosto de citar veja, mas reconheço o interesse que tenho pela matéria, então cito via bule voador.

Autor: Jerônimo Teixeira
Fonte: Veja on-line, edição 1938
Editor: Eli Vieira

"O Charlatão", de Jan Miel (1650)

Com suas frases simplórias e doidices “científicas”, o psiquiatra Augusto Cury tornou-se um best-seller da auto-ajuda

O psiquiatra Augusto Cury diz que sua obra teve início depois de uma crise depressiva que o atingiu quando ainda cursava a faculdade de medicina em São José do Rio Preto, no interior de São Paulo. “Eu usei a dor para me construir”, afirma. A construção ficou firme: Cury é hoje, aos 47 anos, um homem genuinamente feliz. Embora insista nos temas espirituais, sua felicidade tem uma polpuda base material: em 2005, ele foi o escritor brasileiro que mais vendeu no país. Três obras suas – Pais Brilhantes, Professores Fascinantes,sua incursão na pedagogia, e os motivacionais Nunca Desista de Seus Sonhos e Você É Insubstituível – aparecem entre os best-sellers do ano passado [2005], na lista publicada nesta edição de VEJA. Prolífico, ele ainda tem outros catorze títulos, na maioria pela editora carioca Sextante. No total, vendeu mais de 1,2 milhão de exemplares nos últimos doze meses, marca que o coloca taco a taco com Dan Brown, autor de O Código Da Vinci. Seus livros são coletâneas de fórmulas do tipo “os sonhos abrem as janelas da mente”. Mas ele não se considera um autor de auto-ajuda. Cury se apresenta como um cientista, o revolucionário criador de uma nova teoria sobre o funcionamento da mente humana – a inteligência multifocal, que pretende ensinar o leitor a controlar as “janelas” de sua memória.

O livro fundamental da “teoria” de Cury é Inteligência Multifocal, publicado pela Cultrix, em 1998. “Os únicos trechos mais ou menos aproveitáveis são versões pobres das idéias de cientistas como o neurologista António Damásio. O resto é pseudociência”, diz Renato Zamora Flores, professor do departamento de genética da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – e uma autoridade na análise de imposturas científicas. Cury não dá muita atenção aos críticos: “Quase ninguém entendeu minha teoria, de tão complexa que ela é”. Mas ele está feliz por finalmente ser entendido em Londrina, no Paraná, onde o Centro Universitário Filadélfia (Unifil) já oferece cursos de especialização, em nível de pós-graduação, em inteligência multifocal. “O doutor Cury é um sábio. Perto dele, dá para se ter uma idéia de como seria conviver com os grandes filósofos da história”, diz o psicólogo Silas Barbosa Dias, coordenador de um desses cursos. Foi graças à ingerência desse admirador ardoroso que Cury ganhou o título de doutor honoris causa pela Unifil. Dias, aliás, vai veranear ao lado de seu mestre, na casa que Cury tem em Ubatuba, no litoral paulista.

Cury vive com a mulher – Suleima, que foi sua colega na faculdade de medicina – e as três filhas em Colina, cidadezinha de 17.000 habitantes próxima a Barretos, a capital dos rodeios. “Sou um escritor simples, que gosta do anonimato”, diz. No sítio onde mora, com 16.000 metros quadrados, pavões e galinhas-d’angola passeiam pelos gramados – e também há carneirinhos que o autor alimenta com mamadeira. Originalmente, Cury planejava instalar uma clínica ao lado da casa, mas hoje tem pouco tempo para a psiquiatria. Como é comum entre autores de auto-ajuda, ele montou seu circuito de conferências: viaja para proferir de quatro a cinco palestras por mês e recebe entre 8 000 e 10 000 reais por cada uma delas. Sua fala mansa e pausada freqüentemente se enreda no jargão “multifocal” – ele gosta de usar expressões como “pensamento tridimensional” e de inventar curiosas moléstias psicológicas, como o Mal do Logos Estéril. Sua imodéstia é proverbial, o que transparece nos livros. “Falo com humildade, mas, creio, fiz importantes descobertas que provavelmente reciclarão alguns pilares da ciência durante o século XXI”, anuncia em Nunca Desista de Seus Sonhos.

A crença na própria genialidade vem de longe. Sua mulher, Suleima, conta que, quando os dois ainda namoravam, Cury certo dia a convidou para tomar um suco. Ao puxar a carteira para pagar a bebida, deixou cair no chão uma série de papeizinhos: eram pensamentos que ele anotava. “Foi então que ele me disse que era uma pessoa meio diferente”, lembra Suleima. A “pesquisa” de Cury se resume a isso: anotar os próprios pensamentos. E, não satisfeito com sua contribuição à ciência, o autor quer deixar sua marca na literatura. Estreou na ficção no ano passado, com dois romances, O Futuro da Humanidade (editado em Portugal com um título um pouco menos grandioso: A Saga de um Sábio) e A Ditadura da Beleza e a Revolução das Mulheres. O primeiro narra a formação de um “filósofo da psicologia”, e o segundo faz uma crítica descabelada à “masmorra psíquica” que os padrões da moda imporiam às mulheres. Ambos são estrelados por um alter ego do romancista, com nome de desbravador: Marco Polo, o “poeta da psiquiatria”. Juntos, os dois livros venderam perto de 100.000 exemplares. Uma marca respeitável, mas ainda muito abaixo das 260.000 unidades de Pais Brilhantes, Professores Fascinantes comercializadas em 2005. A ficção de Augusto Cury pode não ter conquistado as massas, mas anda bem cotada entre a elite dirigente: no ano passado, a governadora do Rio, Rosinha Garotinho, presenteou o presidente Lula, no seu aniversário, com um volume de O Futuro da Humanidade. Sabe-se que Lula não é dado à leitura. Fica o conselho, presidente: não precisa começar agora.

Ciência de Araque

As baboseiras de Inteligência Multifocal, obra em que Augusto Cury expõe suas “teorias”.

Pesquisa precária

A baboseira: “Não usei os levantamentos bibliográficos nem uma teoria prévia como suporte de interpretação, pois a teoria que desenvolvoé totalmente original.”
Onde está o erro: é a pesquisa bibliográfica que garante que um cientista não vai repetir o que outro já disse. Reivindicar originalidade sem ter freqüentado os livros é uma tolice.

Pensamentos contraditório

A baboseira: “Os computadores jamais passarão de escravos de estímulos programados, ainda que incorporem um processo de auto-aprendizagem.”

Onde está o erro: Cury ignora todas as discussões teóricas sobre inteligência artificial — e ainda resvala numa contradição em termos: se um computador for capaz de aprender, não será mais escravo da programação.

Confusão de conceitos

A baboseira: “A inteligência e a personalidade representam, aqui, termos equivalentes.”
Onde está o erro: personalidade diz respeito às características que distinguem um indivíduo do outro, enquanto inteligência se refere à capacidade de processar informações. Na literatura científica, são conceitos distintos. Misturá-los só produz confusão.

Curas milagrosas

A baboseira: “Muitos casos de doenças psíquicas de difícil tratamento, inclusive de pacientes autistas, têm sido resolvidos pela terapia multifocal.”
Onde está o erro: se fosse verdade, seria caso para Nobel de Medicina: não há cura para o autismo

Matemática pitoresca

A baboseira: “Até na matemática as teorias são limitadas. Até nas indiscutíveis operações há limitações, pois 1 mais 1 só é 2 se o primeiro 1 é, em todos os níveis microessenciais, exatamente igual ao segundo 1.”
Onde está o erro: a se dar crédito a esse absurdo, bastaria mexer na tal “microessência” para fazer com que 1 mais 1 fosse igual a 3.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Ser otimista é saudável?


“Pense positivo”, “vai dar tudo certo, você vai ver”, “isso não vai acontecer com a gente, a probablidade é muito pequena”. Estes exemplos são familiares para você? Já ouviu isso de alguém hoje (ou ontem)? É cotidiano observar a capacidade que muitos de nós possuem de ser extremamente otimista, mesmo quando existem evidências claras de que deveriamos estar mais preocupados com o que está por vir.

Seja em relação ao contágio de doenças, ao furto de bens ou à acidentes graves, o ser humano parece tender a ver tais riscos como distantes de si e improváveis. Ser otimista já foi relacionado em alguns estudos com uma série de efeitos psicológicos benéficos, como menor ansiedade e melhor bem-estar. Este excesso de confiança, todavia, pode nos tornar ainda mais vulneráveis do que já somos, exatamente por pensarmos que não corremos certos riscos e não tomarmos ações necessárias de precaução.

O otimismo pode ser entendido tanto como uma superestimação de eventos futuros positivos quanto uma subestimação de eventos negativos futuros [1]. O que alguns estudos recentes tem indicado é que nós somos propensos a apresentar um otimismo exagerado, “irrealista”, em relação à eventos futuros [1,2]. Na psicologia social, uma propensão similar à esta já havia sido identificada nos anos 1970 e batizada de crença em um mundo justo [3]. Obviamente, esta crença (a de que o mundo é inerentmente justo) é bem otimista em relação à realidade cruel que salta aos nossos olhos diariamente, quando lemos ou ouvimos um noticiário. De acordo com esta ideia, as pessoas acreditam que o mundo é fundamentalmente justo e que coisas ruins acontecem com pessoas ruins – todos passam pelo que merecem [4].


A tendência de ver o mundo por lentes cor-de-rosa foi investigada em dois artigos publicados este mês na revista Nature [1,2]. Para não me alongar muito, comentarei apenas sobre o trabalho de Sharot, Korn e Dolan, que buscou uma melhor compreensão dos princípios computacionais e biológicos que sustentam nossas predições enviesadamente otimistas sobre eventos futuros [1]. Mesmo quando apresentadas com evidências que contradizem suas expectativas otimistas, as pessoas tendem a mantê-las, mesmo em casos envolvendo fatores de risco para doenças. Como resultado deste viés cognitivo, as pessoas podem se comportar de maneira menos cautelosa, como por exemplo, praticando menos sexo seguro. Os cientistas queriam saber como as pessoas mantinham o seu excessivo otimismo mesmo quando são expostas a informações que desafiam claramente suas crenças.

Para isto, eles registraram o funcionamento cerebral dos participantes por meio de um aparelho de ressonância magnética funcional (fMRI) enquanto os participantes estimavam a probabilidade de que viveriam 80 eventos adversos diferentes, como, por exemplo, adquirir a doença de Alzheimer ou ter o carro roubado. Após uma primeira estimativa de um determinado evento, era apresentada aos participantes a probabilidade média real de que aquele evento ocorresse com alguém do mesmo contexto cultural dos participantes, e então era pedido aos participantes que estimassem novamente a probabilidade de viver aquele evento para averiguar se os participantes “atualizavam” suas expectativas de acordo com as probabilidade médias apresentadas. O interesse científico era ainda maior por este fenômeno, pois, segundo os autores, ele não é explicado devidamente por teorias de aprendizagem tradicionais.

Os pesquisadores encontraram evidências de que o otimismo se relacionava com uma menor codificação de informações indesejáveis sobre o futuro em uma região do córtex frontal, enquanto que participantes com escores maiores no traço de otimismo eram piores na atualização de erros indesejáveis na estimação nesta mesma região cerebral, mas não em uma outra também relacionada no processamento de erros. A diferença no quanto os participantes “atualizaram” suas expectativas não foi explicada pelo nível de adversidade dos eventos, nem pela familiaridade ou pelas experiências passadas com aquele evento, mas sim pelos erros de estimativa (que equivaliam à estimação inicial menos a probabilidade média real apresentada), sendo que a relação era mais forte para informações favoráveis a uma visão otimista.

Em outras palavras, quando a probabilidade média real apresentada era menor do que a estimativa inicial do participante (o risco era menor do que o participante imaginava), era mais comum os participantes atualizarem suas expectativas na segunda estimativa; mas quando a probabilidade real era maior do que a estimativa inicial dos participantes (o risco era maior do que o participante imaginava), a tendência era que eles não atualizassem suas expectativas na segunda estimativa, desprezando a nova informação em favor do seu otimismo. Os autores sugerem que o princípio computacional que mediou o otimismo irrealista no experimento foi o sinal de aprendizagem fornecido pelos erros de estimativa que teriam impactos diferentes a depender da direção mais ou menos otimista da informação. Esta conclusão também foi corroborada pelos dados obtidos neste mesmo experimento com o contraste chamado BOLD(Blood Oxygen Level-Dependent), um sinal que indica a variação do nível de oxigênio nas hemoglobinas do sangue em função da atividade neural. O estudo ofereceu um mecanismo interessante para compreender o otimismo irrealista e demonstrou como nossos viéses cognitivos podem manter esse otimismo mesmo em face de informações desencorajadoras, deixando-nos mais vulneráveis a certos riscos.

Não há dúvida, entretanto, de que sem algum otimismo poderemos nos tornar demasiadamente apáticos e fatalistas, mas o otimismo em excesso pode nos colocar em uma situação perigosa por acharmos que estamos a salvo de males que não estamos e, como o estudo comentado anteriormente indica, esta tendência é muito poderosa. Uma série de eventos danosos como a proliferação de doenças sexualmente transmissíveis, acidentes de trânsito ocasionados pela ingestão de álcool e furtos de bens pessoais são extremamente beneficiados pelo nosso viés cognitivo de cometer erros de estimativa, ou seja, pela expectativa ingênua de que aquilo nunca aconteceria conosco. Infelizmente, muitos de nós precisam viver este tipo de experiência para reconhecer os riscos que corriam.

Saber que temos uma tendência irracional e robusta de esperar o melhor dos eventos pode nos tornar mais atentos às nossas intuições e precavidos, portanto estudos desta natureza podem nos trazer uma grande contribuição social e até mesmo econômica imediata – os pesquisadores citam trabalhos que indicam que erros na estimativa foram uma das causas dacrise mundial financeira de 2008, resultante de uma expectativa otimista irrealista sobre os riscos financeiros envolvidos naquele contexto. Quantos outros possíveis erros de estimativa já não andaram influenciando os rumos das nossas vidas?

Referências:

[1] Sharot, T., Korn, C., & Dolan, R. (2011). How unrealistic optimism is maintained in the face of reality. Nature Neuroscience DOI: 10.1038/nn.2949

[2] Johnson, D., & Fowler, J. (2011). The evolution of overconfidence. Nature, 477 (7364), 317-320 DOI: 10.1038/nature10384

[3] Rubin, Z., & Peplau, A. (1973). Belief in a Just World and Reactions to Another’s Lot: A Study of Participants in the National Draft Lottery. Journal of Social Issues, 29 (4), 73-93 DOI:10.1111/j.1540-4560.1973.tb00104.x

[4] Fiske, S. T. (2010). Social beings : Core motives in social psychology. New York: Wiley.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Artigo

Pseudo-profundidade: Receitas para simular profundidade – aspirantes a gurus, tomem nota


Fonte: Psychology Today
Autor: Stephen Law*
Tradução: André Rabelo

Deepak Chopra: mestre da pseudo-profundidade e da pseudociência

Ao redor do mundo, audiências se sentam aos pés de experts do marketing, consultores de estilo de vida, místicos, líderes de culto e outros “gurus” à espera do próximo insight oculto e profundo. As pessoas frequentemente pagam uma boa quantia de dinheiro para ouvir estas palavras de sabedoria. Como então estes indivíduos elevados chegam aos seus insights penetrantes? Qual é o segredo da profundidade deles? Infelizmente, em alguns casos, a audiência é enganada pelas artes das trevas da pseudo-profundidade.

A arte de soar profundo é muito facilmente dominada. Você também pode fazer pronunciamentos que soem profundos – e significativos – se você estiver preparado para seguir algumas regras simples.

Primeiro, tente afirmar o incrivelmente óbvio. Só faça isto m-u-i-t-o-l-e-n-t-a-m-e-n-t-e, com uma espécie de aceno de quem sabe. Isto funciona particularmente bem se sua afirmação tiver algo a ver com algum dos grandes temas da vida, do amor, da morte e do dinheiro. Aqui estão alguns exemplos:

A morte chega para todos nós

Todos nós queremos ser amados

O dinheiro é usado para comprar coisas

Tente você mesmo. Se você pronunciar o óbvio com suficiente seriedade, seguido de uma pausa longa, você logo poderá encontrar outros começando a acenar em concordância, talvez murmurando “Isso é verdade”.

Agora que você ja se aqueceu, vamos avançar para uma técnica diferente – o uso do jargão. Algumas palavras grandes, não totalmente compreendidas, podem facilmente realçar a ilusão de profundidade. Tudo o que é necessário é um pouco de imaginação.

Para começar, tente combinar algumas palavras que tenham significados similares com certos termos familiares, mas que se diferenciem deles de alguma maneira sútil e nunca-totalmente-explicada. Por exemplo, não fale sobre pessoas sendo felizes ou tristes, mas sim sobre pessoas tendo “orientações atitudinais positivas e negativas”. Isso soa muito mais impressionante e científico, não soa?

Agora tente traduzir alguns truísmos tediosos para a sua nova linguagem inventada. Por exemplo, o fato óbvio de que pessoas felizes tendem a fazer outros pessoas mais felizes pode ser expresso como “orientações atitudinais positivas têm alta transferabilidade”.

Igualmente, se você é um guru dos negócios, líder de culto ou um místico, sempre ajuda falar de “energias” ou “equilíbrios”. Isso faz com que soe como se você tivesse descoberto algum mecanismo profundo ou poder que poderia potencialmente ser aproveitado e usado pelos outros. Isto vai tornar muito mais fácil convencer as pessoas de que se elas não acreditarem no seu conselho, eles vão estar realmente perdendo. Por exemplo, publique um artigo intitulado “Aproveitando energias atitudinais positivas dentro do ambiente de varejo”, e voilá, outro guru moderno dos negócios nasceu.

Finalmente, se alguém realmente tiver a coragem de perguntar exatamente o que uma “energia atitudinal positiva” é, você sempre pode dar uma definição usando outros pedaços do seu jargão recém inventado, deixando seus questionadores sem saber nada a mais do que eles sabiam antes. Se todo o seu jargão é definido usando outro jargão, ninguém nunca vai ser capaz de entender exatamente o que você quer dizer (embora seus devotos possam pensar que sabem). E o fato de que enterrados dentro de suas pseudo-profundidades estão alguns truísmos verdadeiros vai dar à sua audiência a impressão de que você realmente deve estar certo sobre algo, mesmo que eles não entendam o que é. E então eles vão estar ansiosos para ouvir mais.

Infelizmente, alguns líderes de culto, gurus de negócio, místicos, consultores de estilo de vida, terapeutas – e até mesmo alguns filósofos – fazem uso destas técnicas para gerar a ilusão de que eles possuem insights profundos e penetrantes. Agora que você pode ver quão fácil é gerar suas próprias pseudo-profundidades, eu estou certo de que você ficará menos impressionado na próxima vez que algum “guru” auto-intitulado sugerir que suas energias atitudinais precisam se equilibrar.

Outro segredo da pseudo-profundidade é selecionar duas palavras que tenham significados opostos ou incompatíveis e combinar eles de forma enigmática, como em:

A sanidade é apenas outra forma de loucura

A vida é muitas vezes uma forma de morte

O ordinário é extraordinário

Tente isso por conta própria. Você logo irá começar a soar profundo. No romance de George Orwell 1984, os três slogans da festa são todos exemplos deste tipo de pseudo-profundidade:

Guerra é paz

Liberdade é escravidão

Ignorância é força

Um aspecto particularmente útil destas afirmações é que elas fazem sua audiência fazer todo o trabalho por você. “Liberdade é um tipo de escravidão” por exemplo, é interpretável de tantas maneiras que você provavelmente nem pensou. Apenas sente, adote uma expressão como a de um sábio e deixe sua audiência entender o que você quis dizer.

Nada disso signica que este tipo de afirmação enigmática não possa ser profundo, é claro. Mas, dada a facilidade com a qual elas são geradas, é sábio não ser tão facilmente impressionado.

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*Stephen Law, Ph.D., é um ex-carteiro, que se tornou um filósofo profissional. Ele publicou dez livros e é um conferencista sênior na Universidade de London.


quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Fonte: site do Flávio Gikovate. O áudio foi deletado do site, mas os editores deste blog (Bule voador) fizeram download antes.

Flávio Gikovate. Foto: mixpalestras.com.br

Eis o que acontece quando um profissional de psiquiatria vive de reciclar preconceitos populares e psicanalíticos para vender livros em vez de se manter atualizado com a literatura científica – e com movimentos sociais que promovem uma visão acurada e realista, em vez de preconceituosa, sobre minorias.

Basicamente, o psiquiatra vendedor de livros afirma que:

1) Gays adoram banheiro sujo.
2) Gays adoram relações perigosas, sujas, grosseiras e sujeira em geral.
3) É mentira essa história de que não dá para “evoluir” para relação heterossexual.
4) Geralmente homens sensíveis crescem e viram gays porque são ridicularizados pela sociedade ou pelos pais que tanto os desprezaram. Os pais acabam servindo de influência para futuros modelos de atração psicológica, numa teoria freudiana concebida em priscas eras pré-científicas da psicologia.
5) Gostam de promiscuidade.

No mínimo o psiquiatra, depois de afirmar isso e muito mais na palestra, tem que ter questionada sua capacidade de acompanhar a literatura científica em sexologia e psicologia; e é claro, se retratar, afirmando textualmente que suas afirmações sobre a saúde mental dos homossexuais e a origem da homossexualidade não passam de evidências anedóticasperigosas.

Ouça aqui:
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Para quem não conseguiu ouvir no player e prefere baixar a mp3: clique aqui com o botão direito e depois clique em “Salvar como…”

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Reportagem

Fonte: Carta Capital

Pluralismo às avessas

Vem de Brasília, como não poderia deixar de ser, a novidade no festival de excentricidades em que se constitui a política nacional. Uma nova sigla deverá ser acrescentada à encorpada sopa de letras que define nosso sistema partidário. Depois do PSD do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, provavelmente passaremos a contar, já nas eleições municipais de 2012, com o PPL (Partido Pátria Livre). Basta que os doutos senhores da corte máxima da Justiça Eleitoral brasileira, o TSE, concedam registro definitivo à legenda.

Não se trata de desprezo pela democracia, pelo pluralismo de idéias e pelo sagrado direito fundamental dos cidadãos – oportunamente garantido pela Constituição Federal de 1988, a primeira pós- ditadura militar – de se manifestar livremente e de participar da arena partidária nacional por meio de legendas que representem suas convicções político-ideológicas.

Muito pelo contrário. O que motiva este artigo e inspira a análise que fazemos sobre as novas legendas é o mais puro espírito democrático. Mas de que democracia falamos? A preconizada pelo filósofo e historiador italiano Norberto Bobbio, falecido em 2004. Para Bobbio, a democracia se fundamenta em três princípios: a ética, a honestidade e o respeito aos interesses da maioria, acima dos individuais.

Com a palavra, o autor: “Não há boa democracia sem costume democrático, e costume democrático significa ser honesto no exercício dos próprios negócios, leal nas trocas (…), respeitar a si e aos outros, estar consciente das obrigações, não somente jurídicas, mas também morais, que cada um de nós tem para com o próximo (…); enfim, saber distinguir e não confundir interesses privados e públicos”.

Inspirado neste conceito de democracia, este artigo se propõe a levantar uma dúvida crucial: a criação destes dois novos partidos representa, efetivamente, os interesses do conjunto da sociedade brasileira? Mais: no extenso leque de 27 siglas existentes no cenário partidário nacional, não há absolutamente nenhuma que traduza as aspirações dos criadores destas siglas?

Ruim com os partidos, pior sem eles, reza a cartilha da democracia política verde e amarela, que se assenta no pluralismo. Mas o fato é que, pluralismo à parte, quem paga a conta da criação de novos partidos somos nós, os contribuintes. Afinal, diferentes dos contribuintes, as legendas usufruem o privilégio de não pagar impostos, prerrogativa garantida pelo artigo 150 da Constituição Federal de 1988. Veiculam propaganda no horário eleitoral gratuito à custa da isenção de impostos das emissoras de rádio e TV.

E, sim, recebem dinheiro público. Está lá no site do TSE, para quem quiser conferir: de janeiro a julho de 2011, o Orçamento da União garantiu ao Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos cerca de 302 milhões de reais – 265,35 milhões de reais referentes aos duodécimos (o valor garantido a cada partido proporcionalmente à sua representação no Congresso Nacional) e 36,13 milhões de reais referentes às multas pagas pelos eleitores e candidatos condenados judicialmente).

Quem recebeu a maior bolada foi o PT (33,11 milhões reais), mas mesmo o quase desconhecido PCO (Partido da Causa Operária), o lanterna da lista, ganhou nada desprezíveis 303 mil reais. Com a ajuda do colega Silênio Vignoli, lembramos: dos 27 partidos brasileiros, apenas 22 têm representação na Câmara Federal e oito (1/3, portanto) têm apenas de um a quatro deputados.

Disto recorre o óbvio: o fato de se criar uma nova estrutura partidária não é garantia suficiente para a existência da representatividade. Esta só se dá de fato, como nos ensina Bobbio no texto que citamos, quando os interesses coletivos superam os individuais e quanto a sigla em questão tem efetiva base na maioria – de preferência, popular.

A diversidade de idéias políticas não é sinônimo de ética e nem de inteligência. Da forma como o sistema partidário tem sido conduzido, o que temos é um pluralismo às avessas, no qual a defesa das convicções de um grupo – muitas vezes sem nenhuma base no movimento social – é custeada por todos. Ou seja: as convicções são pessoais, mas quem paga a conta pela sua defesa é o coletivo. Há algo de errado no sistema partidário brasileiro. E a culpa não está nos milhões de eleitores que exercem seu sagrado direito de voto, a cada dois anos.