quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Ser otimista é saudável?


“Pense positivo”, “vai dar tudo certo, você vai ver”, “isso não vai acontecer com a gente, a probablidade é muito pequena”. Estes exemplos são familiares para você? Já ouviu isso de alguém hoje (ou ontem)? É cotidiano observar a capacidade que muitos de nós possuem de ser extremamente otimista, mesmo quando existem evidências claras de que deveriamos estar mais preocupados com o que está por vir.

Seja em relação ao contágio de doenças, ao furto de bens ou à acidentes graves, o ser humano parece tender a ver tais riscos como distantes de si e improváveis. Ser otimista já foi relacionado em alguns estudos com uma série de efeitos psicológicos benéficos, como menor ansiedade e melhor bem-estar. Este excesso de confiança, todavia, pode nos tornar ainda mais vulneráveis do que já somos, exatamente por pensarmos que não corremos certos riscos e não tomarmos ações necessárias de precaução.

O otimismo pode ser entendido tanto como uma superestimação de eventos futuros positivos quanto uma subestimação de eventos negativos futuros [1]. O que alguns estudos recentes tem indicado é que nós somos propensos a apresentar um otimismo exagerado, “irrealista”, em relação à eventos futuros [1,2]. Na psicologia social, uma propensão similar à esta já havia sido identificada nos anos 1970 e batizada de crença em um mundo justo [3]. Obviamente, esta crença (a de que o mundo é inerentmente justo) é bem otimista em relação à realidade cruel que salta aos nossos olhos diariamente, quando lemos ou ouvimos um noticiário. De acordo com esta ideia, as pessoas acreditam que o mundo é fundamentalmente justo e que coisas ruins acontecem com pessoas ruins – todos passam pelo que merecem [4].


A tendência de ver o mundo por lentes cor-de-rosa foi investigada em dois artigos publicados este mês na revista Nature [1,2]. Para não me alongar muito, comentarei apenas sobre o trabalho de Sharot, Korn e Dolan, que buscou uma melhor compreensão dos princípios computacionais e biológicos que sustentam nossas predições enviesadamente otimistas sobre eventos futuros [1]. Mesmo quando apresentadas com evidências que contradizem suas expectativas otimistas, as pessoas tendem a mantê-las, mesmo em casos envolvendo fatores de risco para doenças. Como resultado deste viés cognitivo, as pessoas podem se comportar de maneira menos cautelosa, como por exemplo, praticando menos sexo seguro. Os cientistas queriam saber como as pessoas mantinham o seu excessivo otimismo mesmo quando são expostas a informações que desafiam claramente suas crenças.

Para isto, eles registraram o funcionamento cerebral dos participantes por meio de um aparelho de ressonância magnética funcional (fMRI) enquanto os participantes estimavam a probabilidade de que viveriam 80 eventos adversos diferentes, como, por exemplo, adquirir a doença de Alzheimer ou ter o carro roubado. Após uma primeira estimativa de um determinado evento, era apresentada aos participantes a probabilidade média real de que aquele evento ocorresse com alguém do mesmo contexto cultural dos participantes, e então era pedido aos participantes que estimassem novamente a probabilidade de viver aquele evento para averiguar se os participantes “atualizavam” suas expectativas de acordo com as probabilidade médias apresentadas. O interesse científico era ainda maior por este fenômeno, pois, segundo os autores, ele não é explicado devidamente por teorias de aprendizagem tradicionais.

Os pesquisadores encontraram evidências de que o otimismo se relacionava com uma menor codificação de informações indesejáveis sobre o futuro em uma região do córtex frontal, enquanto que participantes com escores maiores no traço de otimismo eram piores na atualização de erros indesejáveis na estimação nesta mesma região cerebral, mas não em uma outra também relacionada no processamento de erros. A diferença no quanto os participantes “atualizaram” suas expectativas não foi explicada pelo nível de adversidade dos eventos, nem pela familiaridade ou pelas experiências passadas com aquele evento, mas sim pelos erros de estimativa (que equivaliam à estimação inicial menos a probabilidade média real apresentada), sendo que a relação era mais forte para informações favoráveis a uma visão otimista.

Em outras palavras, quando a probabilidade média real apresentada era menor do que a estimativa inicial do participante (o risco era menor do que o participante imaginava), era mais comum os participantes atualizarem suas expectativas na segunda estimativa; mas quando a probabilidade real era maior do que a estimativa inicial dos participantes (o risco era maior do que o participante imaginava), a tendência era que eles não atualizassem suas expectativas na segunda estimativa, desprezando a nova informação em favor do seu otimismo. Os autores sugerem que o princípio computacional que mediou o otimismo irrealista no experimento foi o sinal de aprendizagem fornecido pelos erros de estimativa que teriam impactos diferentes a depender da direção mais ou menos otimista da informação. Esta conclusão também foi corroborada pelos dados obtidos neste mesmo experimento com o contraste chamado BOLD(Blood Oxygen Level-Dependent), um sinal que indica a variação do nível de oxigênio nas hemoglobinas do sangue em função da atividade neural. O estudo ofereceu um mecanismo interessante para compreender o otimismo irrealista e demonstrou como nossos viéses cognitivos podem manter esse otimismo mesmo em face de informações desencorajadoras, deixando-nos mais vulneráveis a certos riscos.

Não há dúvida, entretanto, de que sem algum otimismo poderemos nos tornar demasiadamente apáticos e fatalistas, mas o otimismo em excesso pode nos colocar em uma situação perigosa por acharmos que estamos a salvo de males que não estamos e, como o estudo comentado anteriormente indica, esta tendência é muito poderosa. Uma série de eventos danosos como a proliferação de doenças sexualmente transmissíveis, acidentes de trânsito ocasionados pela ingestão de álcool e furtos de bens pessoais são extremamente beneficiados pelo nosso viés cognitivo de cometer erros de estimativa, ou seja, pela expectativa ingênua de que aquilo nunca aconteceria conosco. Infelizmente, muitos de nós precisam viver este tipo de experiência para reconhecer os riscos que corriam.

Saber que temos uma tendência irracional e robusta de esperar o melhor dos eventos pode nos tornar mais atentos às nossas intuições e precavidos, portanto estudos desta natureza podem nos trazer uma grande contribuição social e até mesmo econômica imediata – os pesquisadores citam trabalhos que indicam que erros na estimativa foram uma das causas dacrise mundial financeira de 2008, resultante de uma expectativa otimista irrealista sobre os riscos financeiros envolvidos naquele contexto. Quantos outros possíveis erros de estimativa já não andaram influenciando os rumos das nossas vidas?

Referências:

[1] Sharot, T., Korn, C., & Dolan, R. (2011). How unrealistic optimism is maintained in the face of reality. Nature Neuroscience DOI: 10.1038/nn.2949

[2] Johnson, D., & Fowler, J. (2011). The evolution of overconfidence. Nature, 477 (7364), 317-320 DOI: 10.1038/nature10384

[3] Rubin, Z., & Peplau, A. (1973). Belief in a Just World and Reactions to Another’s Lot: A Study of Participants in the National Draft Lottery. Journal of Social Issues, 29 (4), 73-93 DOI:10.1111/j.1540-4560.1973.tb00104.x

[4] Fiske, S. T. (2010). Social beings : Core motives in social psychology. New York: Wiley.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Artigo

Pseudo-profundidade: Receitas para simular profundidade – aspirantes a gurus, tomem nota


Fonte: Psychology Today
Autor: Stephen Law*
Tradução: André Rabelo

Deepak Chopra: mestre da pseudo-profundidade e da pseudociência

Ao redor do mundo, audiências se sentam aos pés de experts do marketing, consultores de estilo de vida, místicos, líderes de culto e outros “gurus” à espera do próximo insight oculto e profundo. As pessoas frequentemente pagam uma boa quantia de dinheiro para ouvir estas palavras de sabedoria. Como então estes indivíduos elevados chegam aos seus insights penetrantes? Qual é o segredo da profundidade deles? Infelizmente, em alguns casos, a audiência é enganada pelas artes das trevas da pseudo-profundidade.

A arte de soar profundo é muito facilmente dominada. Você também pode fazer pronunciamentos que soem profundos – e significativos – se você estiver preparado para seguir algumas regras simples.

Primeiro, tente afirmar o incrivelmente óbvio. Só faça isto m-u-i-t-o-l-e-n-t-a-m-e-n-t-e, com uma espécie de aceno de quem sabe. Isto funciona particularmente bem se sua afirmação tiver algo a ver com algum dos grandes temas da vida, do amor, da morte e do dinheiro. Aqui estão alguns exemplos:

A morte chega para todos nós

Todos nós queremos ser amados

O dinheiro é usado para comprar coisas

Tente você mesmo. Se você pronunciar o óbvio com suficiente seriedade, seguido de uma pausa longa, você logo poderá encontrar outros começando a acenar em concordância, talvez murmurando “Isso é verdade”.

Agora que você ja se aqueceu, vamos avançar para uma técnica diferente – o uso do jargão. Algumas palavras grandes, não totalmente compreendidas, podem facilmente realçar a ilusão de profundidade. Tudo o que é necessário é um pouco de imaginação.

Para começar, tente combinar algumas palavras que tenham significados similares com certos termos familiares, mas que se diferenciem deles de alguma maneira sútil e nunca-totalmente-explicada. Por exemplo, não fale sobre pessoas sendo felizes ou tristes, mas sim sobre pessoas tendo “orientações atitudinais positivas e negativas”. Isso soa muito mais impressionante e científico, não soa?

Agora tente traduzir alguns truísmos tediosos para a sua nova linguagem inventada. Por exemplo, o fato óbvio de que pessoas felizes tendem a fazer outros pessoas mais felizes pode ser expresso como “orientações atitudinais positivas têm alta transferabilidade”.

Igualmente, se você é um guru dos negócios, líder de culto ou um místico, sempre ajuda falar de “energias” ou “equilíbrios”. Isso faz com que soe como se você tivesse descoberto algum mecanismo profundo ou poder que poderia potencialmente ser aproveitado e usado pelos outros. Isto vai tornar muito mais fácil convencer as pessoas de que se elas não acreditarem no seu conselho, eles vão estar realmente perdendo. Por exemplo, publique um artigo intitulado “Aproveitando energias atitudinais positivas dentro do ambiente de varejo”, e voilá, outro guru moderno dos negócios nasceu.

Finalmente, se alguém realmente tiver a coragem de perguntar exatamente o que uma “energia atitudinal positiva” é, você sempre pode dar uma definição usando outros pedaços do seu jargão recém inventado, deixando seus questionadores sem saber nada a mais do que eles sabiam antes. Se todo o seu jargão é definido usando outro jargão, ninguém nunca vai ser capaz de entender exatamente o que você quer dizer (embora seus devotos possam pensar que sabem). E o fato de que enterrados dentro de suas pseudo-profundidades estão alguns truísmos verdadeiros vai dar à sua audiência a impressão de que você realmente deve estar certo sobre algo, mesmo que eles não entendam o que é. E então eles vão estar ansiosos para ouvir mais.

Infelizmente, alguns líderes de culto, gurus de negócio, místicos, consultores de estilo de vida, terapeutas – e até mesmo alguns filósofos – fazem uso destas técnicas para gerar a ilusão de que eles possuem insights profundos e penetrantes. Agora que você pode ver quão fácil é gerar suas próprias pseudo-profundidades, eu estou certo de que você ficará menos impressionado na próxima vez que algum “guru” auto-intitulado sugerir que suas energias atitudinais precisam se equilibrar.

Outro segredo da pseudo-profundidade é selecionar duas palavras que tenham significados opostos ou incompatíveis e combinar eles de forma enigmática, como em:

A sanidade é apenas outra forma de loucura

A vida é muitas vezes uma forma de morte

O ordinário é extraordinário

Tente isso por conta própria. Você logo irá começar a soar profundo. No romance de George Orwell 1984, os três slogans da festa são todos exemplos deste tipo de pseudo-profundidade:

Guerra é paz

Liberdade é escravidão

Ignorância é força

Um aspecto particularmente útil destas afirmações é que elas fazem sua audiência fazer todo o trabalho por você. “Liberdade é um tipo de escravidão” por exemplo, é interpretável de tantas maneiras que você provavelmente nem pensou. Apenas sente, adote uma expressão como a de um sábio e deixe sua audiência entender o que você quis dizer.

Nada disso signica que este tipo de afirmação enigmática não possa ser profundo, é claro. Mas, dada a facilidade com a qual elas são geradas, é sábio não ser tão facilmente impressionado.

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*Stephen Law, Ph.D., é um ex-carteiro, que se tornou um filósofo profissional. Ele publicou dez livros e é um conferencista sênior na Universidade de London.