quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Reportagem




O jornalista André Siqueira, sub-editor de Economia da revista Carta Capital, decidiu fazer algumas contas e demonstrou objetivamente que o candidato à presidência da República do PSDB, José Serra, não tem como cumprir uma série de promessas que vem fazendo na campanha eleitoral. Em primeiro lugar, Serra teria que rasgar a cartilha de gestão pública de seu partido, que critica os gastos públicos do governo Lula. E nem assim o tucano conseguiria elevar o salário mínimo para 600 reais, instituir um 13° pagamento para o Bolsa Família ou reajustar em 10% as aposentadorias. “É de causar espanto a falta de olhar crítico da mídia para as promessas do candidato José Serra, impraticáveis diante dos paradigmas de gestão tucanos”, escreve Siqueira. Trata-se de um devaneio do candidato, acrescenta. Vamos aos números analisados por André Siqueira: “Consta no Orçamento de 2011 a proposta de elevar o salário mínimo para 538,14 reais. Serra propõe desembolsar 61,86 reais a mais por assalariado, para atingir os 600 reais. Apenas essa promessa de campanha custaria, portanto, 12,3 bilhões de reais. O montante é próximo ao orçamento total do programa Bolsa Família, atualmente em 13,7 bilhões de reais. Aliás, criar uma parcela a mais para o programa acrescentaria 1,14 bilhão de reais ao cálculo – em valores correntes. Finalmente, há o reajuste dos benefícios da Seguridade Social. Nesse caso, apelo ao cálculo do economista do Ipea, Marcelo Caetano, que avaliou em 6,2 bilhões de reais o esforço adicional exigido pelo presente oferecido pelo tucano aos aposentados e pensionistas”. No total, assinala o jornalista da Carta Capital, as promessas de Serra custariam cerca de 19,6 bilhões de reais aos cofres públicos. André Siqueira consultou, então, o especialista em contas públicas, Amir Khair, ex-secretário de Finanças de São Paulo, para indagar sobre a viabilidade das promessas de Serra, que batem de frente, sempre é bom lembrar, com as críticas que o próprio candidato e seu partido fazem ao que consideram ser “excesso de gastos” do governo Lula. Em primeiro lugar, Khair lembra que o gasto federal corresponde a uma parcela de 43% dos desembolsos totais do setor público. O restante fica a cargo das prefeituras e estados. Em segundo, assinala, cerca de 80% do orçamento federal está legalmente engessado com salários e outras obrigações constitucionais. Considerando a pouca margem de manobra que resta ao Executivo, Khair imagina que um “choque de gestão”, - a receita preferida do PSDB – permitiria um corte de aproximadamente 30%. Seria um “sacrifício extraordinário”, diz o economista, e equivaleria a 2,58% do gasto público nacional, algo em torno de 9,9 bilhões de reais. Ou seja, mesmo se fizesse isso, Serra estaria conseguindo apenas a metade dos recursos necessários para cumprir suas promessas de aumentar o salário mínimo para 600 reais, de reajustar em 10% as aposentadorias e de conceder um 13° pagamento ao Bolsa Família. “E ele continua a criticar o endividamento público. Ao mesmo tempo em que promete elevar gastos sociais, ampliar investimentos e cortar impostos. Como, José?”, indaga o jornalista.

Reportagem

artigo retirado do site

http://www.cartamaior.com.br/templates/index.cfm?alterarHomeAtual=1&home=S

Serra em intercurso com a extrema direita

Como um picollo Fausto, Serra emprestou sua candidatura à ressurgencia da extrema direita na vida política nacional. A desesperada tentativa de derrotar a esquerda da qual ele já participou um dia não observa mais qualquer concessão à ética e à própria biografia. Assiste-se a uma entrega constrangedora. “Obsceno” resumiu a professora Marilena Chauí, no ato dos intelectuais e artistas em apoio a Dilma Rousseff, realizado segunda-feira, no Rio. A filósofa exibia uma propaganda do tucano, assinada por ele, ilustrada com a frase bíblica : "Jesus é a verdade e a vida". "Isso é religiosamente obsceno. É politicamente obsceno... É uma violência contra o ecumenismo religioso”, fuzilou a professora Chauí.
Nada demais para Serra, cuja hipocrisia se despiu na figura da esposa, Monica, que saiu do anonimato para a história como dublê de Regina Duarte nessas eleições. Psicólogoa e bailarina, em 1992 ela narrou às alunas um aborto feito em condições difíceis, mas não hesitou em sair às ruas dos subúrbios do Rio para acusar a candidata petista de ser a favor ‘de matar as criancinhas’. É esse o diapasão do tudo ou nada a que se entregou a sobra daquilo que foi um dia o projeto social-democrata do tucanato paulista.
A poucos menos de duas semanas das eleições, Serra terceirizou sua candidatura a forças e apelos obscurantistas em busca do voto do medo e do reacionarismo quase caricatural. Não há constrangimento no seu olhar. Ao contrário, quando ganha pontos na pesquisa, Serra demonstra a felicidade dos traidores, aquele lampejo de ‘deu certo’, logo, a vitória legitima qualquer coisa. É assim que tem se esponjado, entre engolir hóstias sem fé e chafurdar no lamaçal de água benta falsificada atulhado de detritos históricos que ameaçam ressuscitar o que há de pior na política nacional. Os ataques ao Programa Nacional de Direitos Humanos que envergonham até tucanos históricos, como Paulo Sergio Pinheiro, consolidam seu nome como um assustador cavalo-de-tróia da brasa-dormida do fascismo herdeiro de Plínio Salgado. O pior é que não há aqui qualquer força de expressão. Kelmon Luiz de Souza, responsável pela encomenda de 20 milhões de panfletos que simulam chancela da CNBB para ataques tucanos a Dilma, tem um cartão de visitas que não deixa margem a enganos. Assessor de Dom Bergonzini, bispo de Guarulhos, da ala direita do clero que seria o ‘mandante-laranja’ da encomenda, Kelomon tem outras ocupações não menos esclarecedoras. Ele divide o seu tempo entre os afazeres na sacristia de Guarulhos e a presidência da Associação Theothokos, uma ONG ligada a setores de ultradireita da Igreja Ortodoxa, cujo portal está registrado em nome da Casa de ‘Plínio Salgado, o aspirante a Hitler nativo dos anos 30/40.
Não para aí o intercurso da candidatura Serra com a regressividade moral e política. A gota d'água que multiplica reações –atos e manifestos-- de repulsa e espanto na academia em relação a sua candidatura foi a revelação recente de que uma dos provedores de ‘conteúdo’ dessa engrenagem que expele calúnias e extremismo fascista pela Internet , sediado em Brasília, chama-se Nei Mohn, nada menos que o presidente da "Juventude Nazista" em 1968. [leia em Carta Maior: "Dilma é alvo de grupos de extrema-direita e neonazistas"]. Informante do Cenimar, Mohn tem uma ficha corrida que detalha a especialidade dos seus serviços, entre eles atentados a bomba, na década de 80, mas, sobretudo, a falsificação de informações para denegrir a reputação de religiosos que denunciavam torturas, assassinatos e desaparecimentos. Trata-se de um talento familiar que se transfere de pai para filho. Seu filho, o advogado Bruno Degrazia Möhn trabalha para um grande escritório de advocacia de Brasília contratado para prestar serviços a Daniel Dantas, cuja irmã foi sócia da filha de Serra em polemica empresa de serviços registrada em paraísos fiscais. São coincidências demais para serem apenas coincidências. Tudo indica que não há improviso nesse processo. Assim como a gráfica que rodou panfletos contra Dilma pertence à irmã de um dos coordenadores da campanha de Serra, o mesmo provedor que hospeda o site do candidato [Newssender/Locaweb Serviços de Internet S/A] está integrado à rede de boatos contra Dilma, coordenada pelo assustador braço do ex-agente da Cenimar.

Evidencias desse tipo, de que uma coalizão de direita e extrema-direita tomou de assalto a candidatura demotucana com o beneplácito de seus principais personagens, incluindo-se o candidato e a esposa, embaraçam amigos e conhecidos e explicam o mal-estar que tende a se espalhar na academia. É esse mal-estar que tem gerado uma benigna resposta na forma de manifestos e atos de apoio a Dilma que se multiplicaram nos últimos dias. A letargia que predominou nos meios intelectuais durante boa parte do processo eleitoral parece ter se esgotado diante dos riscos À democracia e à dignidade do país embutidos no vale-tudo da coalizão demotucana. É esse movimento que tende a tomar conta do espaço político até 31 de outubro, consolidando uma linha divisória expressa no título do mais recente manifesto lançado na academia. Nascido na Unicamp –onde Serra deu aula— o texto abre com um resumo do estado de espírito que se generaliza nos meios intelectuais de todo o país: “Porque Dilma sim; porque não Serra”[leia neste blogue esse e outros manifestos e atos de apoio a Dilma].

Postado por Saul Leblon às 11:37

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Reportagem

Todos sabem, tanto através desse blog quanto por uma conversa pessoal comigo, que sou ateu assumido e contra o voto obrigatório, e por isso (entre outras coisas, como a exigência de uma reforma política imediata) não voto. Mas o que vem acontecendo no país nesse ano de eleição me deixou incomodado, principalmente porque pelo artigo 19 da constituição somos um Estado LAICO. Por isso, abro espaço nesse blog para um teólogo do qual já li bastante livros, mas que não concordo com boa parte de suas ideias, embora aqui haja uma que compartilho. Trata-se de Leonardo Boff e de seu texto publicado no site http://correiodobrasil.com.br/a-midia-comercial-em-guerra-contra-lula-e-dilma/182757/boff/. Não sou mais petista como outrora, mas certamente não sou tucano colonial, e o que for preciso pra convencer outras pessoas a não votarem nesses dominadores oportunistas eu farei. Segue abaixo a reportagem:

"Sou profundamente pela liberdade de expressão em nome da qual fui punido com o “silêncio obsequioso” pelas autoridades do Vaticano. Sob risco de ser preso e torturado, ajudei a editora Vozes a publicar corajosamente o Brasil Nunca Mais, onde se denunciavam as torturas, usando exclusivamente fontes militares, o que acelerou a queda do regime autoritário.

Esta história de vida me avalisa fazer as críticas que ora faço ao atual enfrentamento entre o Presidente Lula e a midia comercial que reclama ser tolhida em sua liberdade. O que está ocorrendo já não é um enfrentamento de ideias e de interpretações e o uso legítimo da liberdade da imprensa. Está havendo um abuso da liberdade de imprensa que, na previsão de uma derrota eleitoral, decidiu mover uma guerra acirrada contra o presidente Lula e a candidata Dilma Rousseff. Nessa guerra vale tudo: o factóide, a ocultação de fatos, a distorção e a mentira direta.

Precisamos dar o nome a esta mídia comercial. São famílias que, quando veem seus interessescomerciais e ideológicos contrariados, se comportam como “famiglia” mafiosa. São donos privados que pretendem falar para todo Brasil e manter sob tutela a assim chamada opinião pública. São os donos de O Estado de São Paulo, de A Folha de São Paulo, de O Globo, da revista Veja, na qual se instalou a razão cínica e o que há de mais falso e chulo da imprensa brasileira. Estes estão a serviço de um bloco histórico assentado sobre o capital que sempre explorou o povo e que não aceita um presidente que vem desse povo. Mais que informar e fornecer material para a discusão pública, pois essa é a missão da imprensa, esta mídia empresarial se comporta como um feroz partido de oposição.

Na sua fúria, quais desesperados e inapelavelmente derrotados, seus donos, editorialistas e analistas não têm o mínimo respeito devido a mais alta autoridade do país, ao presidente Lula. Nele veem apenas um peão a ser tratado com o chicote da palavra que humilha.

Mas há um fato que eles não conseguem digerir em seu estômago elitista. Custa-lhes aceitar que um operário, nordestino, sobrevivente da grande tribulação dos filhos da pobreza, chegasse a ser presidente. Este lugar, a Presidência, assim pensam, cabe a eles, os ilustrados, os articulados com o mundo, embora não consigam se livrar do complexo de vira-latas, pois se sentem meramente menores e associados ao grande jogo mundial. Para eles, o lugar do peão é na fábrica produzindo.

Como o mostrou o grande historiador José Honório Rodrigues (Conciliação e Reforma), “a maioria dominante, conservadora ou liberal, foi sempre alienada, antiprogresssita, antinacional e não contemporânea. A liderança nunca se reconciliou com o povo. Nunca viu nele uma criatura de Deus, nunca o reconheceu, pois gostaria que ele fosse o que não é. Nunca viu suas virtudes, nem admirou seus serviços ao país, chamou-o de tudo – Jeca Tatu -; negou seus direitos; arrasou sua vida e logo que o viu crescer ela lhe negou, pouco a pouco, sua aprovação; conspirou para colocá-lo de novo na periferia, no lugar que contiua achando que lhe pertence (p.16)”.

Pois esse é o sentido da guerra que movem contra Lula. É uma guerra contra os pobres que estão se libertando. Eles não temem o pobre submisso. Eles têm pavor do pobre que pensa, que fala, que progride e que faz uma trajetória ascedente como Lula. Trata-se, como se depreende, de uma questão de classe. Os de baixo devem ficar em baixo. Ocorre que alguém de baixo chegou lá em cima. Tornou-se o presidente de todos os brasileiros. Isso para eles é simplesmente intolerável.

Os donos e seus aliados ideológicos perderam o pulso da história. Não se deram conta de que o Brasil mudou. Surgiram redes de movimentos sociais organizados, de onde vem Lula, e tantas outras lideranças. Não há mais lugar para coroneis e para “fazedores de cabeça” do povo. Quando Lula afirmou que “a opinião pública somos nós”, frase tão distorcida por essa midia raivosa, quis enfatizar que o povo organizado e consciente arrebatou a pretensão da midia comercial de ser a formadora e a porta-voz exclusiva da opinião pública. Ela tem que renunciar à ditadura da palabra escrita, falada e televisionada e disputar com outras fontes de informação e de opinião.

O povo cansado de ser governado pelas classes dominantes resolveu votar em si mesmo. Votou em Lula como o seu representante. Uma vez no Governo, operou uma revolução conceptual, inaceitável para elas. O Estado não se fez inimigo do povo, mas o indutor de mudanças profundas que beneficiaram mais de 30 milhões de brasileiros. De miseráveis se fizeram pobres laboriosos, de pobres laboriosos se fizeram classe média baixa e de classe média baixa de fizeram classe média. Começaram a comer, a ter luz em casa, a poder mandar seus filhos para a escola, a ganhar mais salário, em fim, a melhorar de vida.

Outro conceito innovador foi o desenvolvimento com inclusão soicial e distribuição de renda. Antes havia apenas desenvolvimento/crescimento que beneficiava aos já beneficiados à custa das massas destituidas e com salários de fome. Agora ocorreu visível mobilização de classes, gerando satisfação das grandes maiorias e a esperança que tudo ainda pode ficar melhor. Concedemos que no Governo atual há um déficit de consciência e de práticas ecológicas. Mas, importa reconhecer que Lula foi fiel à sua promessa de fazer amplas políticas públicas na direção dos mais marginalizados.

O que a grande maioria almeja é manter a continuidade deste processo de melhora e de mudança. Ora, esta continuidade é perigosa para a mídia comercial que assiste, assustada, ao fortalecimento da soberania popular que se torna crítica, não mais manipulável e com vontade de ser ator dessa nova história democrática do Brasil. Vai ser uma democracia cada vez mais participativa e não apenas delegatícia. Esta abria amplo espaço à corrupção das elites e dava preponderância aos interesses das classes opulentas e ao seu braço ideológico que é a mídia comercial. A democracia participativa escuta os movimentos sociais, faz do Movimento dos Sem Terra (MST), odiado especialmente pelaVEJA, que faz questão de não ver; protagonista de mudanças sociais não somente com referência à terra, mas também ao modelo econômico e às formas cooperativas de produção.

O que está em jogo neste enfrentamento entre a midia comercial e Lula/Dilma é a questão: que Brasil queremos? Aquele injusto, neocoloncial, neoglobalizado e, no fundo, retrógrado e velhista; ou o Brasil novo com sujeitos históricos novos, antes sempre mantidos à margem e agora despontando com energias novas para construir um Brasil que ainda nunca tínhamos visto antes?

Esse Brasil é combatido na pessoa do Presidente Lula e da candidata Dilma. Mas estes representam o que deve ser. E o que deve ser tem força. Irão triunfar a despeito das más vontades deste setor endurecido da midia comercial e empresarial. A vitória de Dilma dará solidez a este caminho novo ansiado e construido com suor e sangue por tantas gerações de brasileiros."

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

terça-feira, 12 de outubro de 2010


Reportagem

Reportagem da revista Época extraída do site http://bulevoador.haaan.com/2010/10/09/que-tal-abortar-a-hipocrisia/, a fim de trazer mais informações para esse debate eleitoral que há muito deixou de ser político.


A discussão sobre a descriminalização do aborto foi um tema da reta final do primeiro turno e deve permanecer na segunda fase da campanha presidencial.

Há um lado peculiar nessa discussão. Ninguém falou de aborto nos últimos anos. Os vários projetos sobre o assunto, no Congresso, jamais mereceram atenção da imprensa nem dos partidos políticos. Ficaram adormecidos e eram lembrados, como bandeira feminista, nos festejos de 8 de março ou outras datas semelhantes. Na última semana da campanha, o debate surgiu.

Por quê? Honestamente, só há uma explicação política: era uma forma de prejudicar a candidatura de Dilma Rouseff e tentar impedir sua vitória no primeiro turno.

Não é uma conspiração. É uma intervenção política, nos subterrâneos da campanha. É dificil imaginar que o aborto tenha surgido de forma espontânea. Foi um assunto provocado, de fora para dentro. Todos os grandes candidatos têm suas conexões religiosas e seus aliados neste universo.

Da mesma forma que um partido pode mobilizar sindicatos para defender uma candidatura ou um grupo de empresários para conseguir apoio, outra legenda pode mobilizar uma liderança religiosa para prejudicar um adversário.

Os adversários de Dilma descobriram um ponto sensível, onde seria possível atingir a candidata e colocaram o assunto na internet, produzindo o estrago que se conhece. Não é um ataque sem base.

A posição de Dilma e do PT modificou-se ao longo do tempo. O PT decidiu não colocar o assunto em discussão na campanha eleitoral, ainda que ele tivesse surgido na primeira versão do Plano Nacional de Direitos Humanos, sendo extirpado por decisão do presidente Lula, que não teve receio de desautorizar seus próprios auxiliares. O eleitor tem o direito de saber que a liderança religiosa que condena um concorrente em função dessa questão tem vínculos com determinada candidatura e trabalha para ela.

Quem acha necessário levantar a discusssão deve fazer isso de modo transparente, e não na forma de insinuações e acusações pela internet. O esforço para criar um debate sem origem é revelador de uma operação eleitoral, de quem quer cativar o eleitor religioso sem perder apoio junto a setores da classe média urbana que tem outra visão sobre o assunto e pode achar esse comportamento reacionário e inaceitável.

A falta de interesse que o aborto costuma provocar na vida cotidiana do país só ressalta o caráter artificial dessa discussão agora.

Por exemplo: lendo a Folha de hoje descobri que o PV é a favor da legalização do aborto desde 2005. É espantoso, quando se recorda que é justamente o partido de Marina Silva.

(O PV também é a favor da legalização da maconha, diz o jornal. Não duvido que uma pesquisa aprofundada descubra uma resolução de algum encontro verde a favor de casamentos de homossexuais…)

Obama sofreu pesada campanha anti-aborto na eleição presidencial americana em 2008

Não acho essa revelação sobre a posição do PV sobre a legalização do aborto escandalosa. É sintomática.

Eva Blay, que foi senadora do PSDB paulista, chegou a apresentar um projeto no mesmo sentido.

A sociedade brasileira convive há muitos anos com o aborto, que é tolerado em todas as famílias com uma única diferença. Quando a pessoa tem posses, pode submeter-se a uma cirurgia como tantas outras. Caso contrário, é submetida a intervenções de risco. O debate é uma questão de saúde pública, acima de tudo.

Não conheço ninguém que seja a favor do aborto. Mas conheço muitas mulheres que realizaram um aborto porque não se sentiam capazes de criar um filho sob determinadas condições — o que me parece uma atitude tão respeitável como a daquela que não realiza o aborto por uma postura ética de não atentar contra a aquela forma de vida humana.

Acredito nos políticos que dizem que são contrários ao aborto. Não conheço nenhuma pessoa que, em pleno gozo de sua saúde mental, seja a favor de interromper o desenvolvimento de um feto, de modo gratuito, em vez de utilizar métodos anticoncepcionais.

Na vida pública, nossos políticos se comportam da mesma forma, independente de cor, filiação partidária ou origem religiosa: toleram o aborto. Por essa razão as clínicas que realizam esse tipo de cirurgia funcionam de forma discreta e jamais são incomodadas pelas autoridades. A partir de uma certa idade, toda mulher brasileira sabe onde pode encontrar o nome de um médico que pode interromper sua gravidez. Marie Claire, uma das grandes revistas do país, tem posição editorial firmada a favor da descriminalização do aborto.

Periodicamente, os jornais e revistas entrevistam celebridades que já fizeram aborto — e nada lhes acontece, ao contrário do que ocorreu com o galã Dado Dolabella, que será processado porque recentemente foi apanhado com algumas gramas de maconha.

Na prática, o país caminha em direção à descriminalização — mesmo que nem sempre seja conveniente admitir isso. Essa discussão envolve um debate necessário e será lamentável se o assunto for transformado em troféu de uma guerra eleitoral.

Estamos num desses casos em que raramente se diz aquilo que se faz. Concorda?

Paulo Moreira Leite, jornalista desde os 17 anos, foi diretor de redação de ÉPOCA e do Diário de S. Paulo. Foi redator chefe da Veja, correspondente em Paris e em Washington.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

HIPOCRISIA E DEMOCRACIA: MAIS QUE UMA SIMPLES RIMA



Já fazia algum tempo que não escrevia nada aqui. De fato estive bastante ocupado com a vida acadêmica nos últimos dias que não pude encontrar tempo para essa descarga social que ouso chamar de blog informativo e provocativo. Descarga social porque por um lado, devo admitir, a internet possibilitou que milhões (talvez bilhões) de pessoas no mundo, inclusive aqui no Brasil, se tornassem intelectuais de “praça de alimentação” diariamente. Quem não tem um meio eletrônico de divulgar suas ideias hoje em dia? Seja por blogs, redes sociais, MSN, etc. E por mais que essas ideias possam ser absurdas, ridículas ou mesmo reconhecíveis, muitos não se privam do direito de guardá-las para si mesmos, inclusive esse que vos fala. Mas por outro lado, talvez esse seja um aspecto histórico inevitável que devemos usufruir com bom senso e certa astúcia. Nesse sentido, convoco todos aqueles que se incomodam com as mais estapafúrdias ideias que são propagadas sem o mínimo de critério pela internet a se mobilizarem consigo mesmos e começarem a protestar na mesma moeda, ou seja, escrevendo em resposta a esses ignaros. Enfim, não era sobre isso que gostaria de escrever nesse post. Deixei-me levar um pouco pela melodia psicodélica do Pink Floyd aqui e acabei fazendo uma introdução maior que o necessário, o que, de qualquer maneira, foi proveitoso, pois esse post trata justamente desse momento histórico que vivemos em que boa parte das pessoas adora se deixar levar por modismos convenientes, os quais acabam se tornando mais acessíveis graças a essa ferramenta de dois gumes chamada internet.
O Brasil está na fase final de seu ano eleitoral, e é fantástico que assim como a cada quatro anos surgem “maravilhosos” palhaços (sem o trocadilho com o tiririca) que fingem se interessar pelas condições de vida de nossos concidadãos, entre esses também surgem aqueles que do “nada” se transformam em grandes entes politizados e intelectualizados. Vocês entenderão meu ponto logo. Antes de tudo, devo deixar claro certas posições que observo a respeito de nossa democracia e do sistema político no Brasil.
Eu não voto mais! Isso é uma escolha deliberada. Caso estivesse em meu foro, votaria nulo. Por quê? Por dois motivos principais: (1) sou contra voto obrigatório (o que tem de gente burra, isso mesmo, gente burra, não ignorante devido as circunstâncias, falo de gente burra por escolha que vota e se acha o cidadão mais correto do Brasil); (2) e sou contra nosso sistema político. Enquanto não houver uma reforma política, que redimensione os direitos e deveres de nossos representantes, eu não acredito que tenha um sequer merecedor de meu voto, e morro com esse princípio, mas não voto por conveniência. E é onde entramos em nosso assunto principal. Estou de saco cheio – desculpem-me o palavreado – de todo santo dia ver algum intelectual de momento fazendo campanha com a seguinte frase: “exerça seu direito de cidadão, vote consciente.” Que desgraça é essa? Vocês sabem o que significa a palavra “direito”? Se voto fosse um direito ele não seria obrigatório, o voto obrigatório é uma ditadura da maioria camuflada de cidadania. Direito é o que podemos exigir em conformidade com as leis ou a justiça, e o “direito” ao voto não pode ser exigido, pois é ele que te compele a agir segundo uma lei determinada. Com isso, fica mais fácil dizer: “larga de se iludir cidadão de momento!” “Seu hipócrita da democracia!”. Estou escrevendo para todos aqueles que do nada se interessaram por política, seja porque o vigário da igreja ordenou, seja porque o pastor ordenou, seja porque o youtube te convenceu emocionadamente. Aliás, isso se tornou uma coisa engraçada, no Brasil o youtube tem poder de decisão política, e não os projetos de governo, o histórico dos partidos, etc.
É nesse sentido que me senti compelido a vir aqui e escrever, nem que fossem algumas meras palavras a respeito do tema e como desabafo. Nunca uma eleição no Brasil ficou tão recheada de temas adversos à discussão política de interesse geral. Deu-se lugar a ideias que estão fora do âmbito político, dado nosso suposto Estado laico, bem como gerou-se informações cruzadas cujas fontes nunca passavam de vídeos mal formatados e depositados no youtube. Tá certo que há muito tempo as pessoas já votavam por interesses, mas eram, por muitas vezes, interesses regionais, como deputados que pudessem favorecer certas regiões do Estado, presidentes que visassem mais uma certa classe social, etc. Mas agora, o que temos visto, são discussões não sobre o interesse político em geral, mas mesquinharias trazidas por tradições enferrujadas que somente servem para comover a população mais inocente. Me refiro a essa união inusitada entre os cristãos de todo o Brasil e de várias denominações, que mudaram os rumos das eleições simplesmente por seus interesses convenientes que em nada visam políticas de melhorias para o país. Vejam, eu não voto, não estou fazendo defesa da velha caduca da Dilma, nem indo contra o oportunista do Serra, mas será que esses mesmos cristãos estão bem informados a respeito desse cidadão que implantou no Brasil a pílula do dia seguinte?
Os cristão fizeram o desfavor de mudar o foco da discussão política no Brasil, o que virou uma baixaria entre os candidatos, vide debate na bandeirantes. Esses mesmos cristãos que se unem todo domingo no mesmo horário marcado com deus e que nunca fizeram campanhas pela internet a fim de suprir a miséria inexorável do Acre, ou mesmo do vale do Jequitinhonha em Minas, etc. O mais fantástico é que você pode bolar um vídeo dizendo que o parlamento pretende anular os direitos da gestante, ou mesmo que pretendem aumentar o imposto sobre a casa própria que ninguém move uma palha “internética” para colocar esse vídeo em orkuts ou outros meios sociais, mas se alguém elaborar um duvidoso vídeo sobre a despreparada Dilma supostamente dizendo que nem Jesus lhe tiraria essa vitória, haverá um reboliço entre esses à toas de plantão tão enorme e capaz de mudar os rumos de uma eleição. Vejam o caso da ficha limpa, uma oportunidade pra toda a população se mobilizar contra a permanência de corruptos no poder, mas não houve, pelo menos que eu saiba, nenhuma manifestação desse mesmo bloco que ficou todo ofendido com a proposta da discussão sobre a legalização do aborto. Logo, todos desse bloco passam a votar tendo em vista as supostas ofensas dirigidas a princípios arcaicos alimentados por uma ou outra instituição falida que vê nesse momento delicado uma oportunidade de renascer das cinzas. Não se vota em um partido tendo em vista o bem geral, vota-se em um candidato que abraçou a causa de comoção geral, depois, são mais quatro anos de “fudelância” para os que realmente necessitam de mudanças, pois sentado na sua poltroninha, com seu “notezinho”, sua net de banda larga, fica mais fácil ignorar se a distribuição de renda conseguiu alcançar patamares aceitáveis, se a fome ainda assola alguma região, se o analfabetismo foi eliminado, se foi permitida à ciência fazer seu trabalho em prol do ser humano sem ter que pedir licença às múmias. Mas é fácil de entender isso, pois do alto da sua poltrona, cidadão barato e de momento, você não percebe sua hipocrisia, sua barriga já tá cheia, suas contas pagas, e seu vídeo no youtube carregado, só basta deixar mais um scrap pra sua consciência dormir tranquila.


Thiago Oliveira

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Humor

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Humor


terça-feira, 20 de julho de 2010

Do jogo de palavras à vitória no debate


Pretendo fazer uma série de "posts" para analisar argumentos defendidos em diversas áreas do conhecimento, iniciando pelo vídeo do W. Craig aqui relacionado. Não há um motivo especial para iniciar com este vídeo e o argumento do debatedor, a não ser o de que quando tive acesso ao vídeo eu não pude deixar de notar o quanto teístas cristãos utilizam-se deste autor como referência para o debate lógico e racional em favor dos argumentos que pretendem defender a existência de “deus”. Sem mais delongas, vamos direto a análise do vídeo e dos argumentos anunciados por William Laine Craig.

Craig pretende dar uma resposta ao paradoxo de Epicuro (341 – 271 a.C.) que supõe a incompatibilidade entre a noção de um “deus” onipotente, onisciente e benevolente e a existência do mal. Segue o paradoxo: “Deus deseja prevenir o mal, mas não é capaz? Então não é onipotente. É capaz, mas não deseja? Então é malevolente. É capaz e deseja? Então por que o mal existe? Não é capaz e nem deseja? Então por que lhe chamamos Deus?”.

A princípio, Craig não ataca o problema proposto pelo ouvinte e inicia um tipo de fuga do problema central, a fim de desviar a atenção da falta de resposta, que ficará tácita em sua argumentação, para direcioná-la ao confronto ideológico contra ateus pressuposto no debate. O que já de início quero demonstrar aqui é um fato que venho percebendo, especificamente, em discussões a respeito desse tema e que circulam na internet, a saber, o debate pelo debate. Isso reflete um tipo de erística que em nada deve àquela criticada por Platão e Aristóteles na antiguidade. O que se percebe, em ambos os lados (teístas e ateus), por muitas vezes, é a simples e irrelevante necessidade de direcionar o debate para uma vitória sobre o opositor. Por vezes, até mesmo uma simples refutação é deixada de lado; argumentos são lançados sob o pretexto da estrutura lógica correta (ou da validade do argumento), e a inferência de que a verdade das premissas procede se torna quase que automática. Enfim, isso é tema para um post único. Façamos apenas a análise dos argumentos aqui apresentados por Craig.

Para melhor aproveitamento de seu argumento (e não apenas o direcionamento para o convencimento da platéia), Craig deveria ter iniciado analisando a sentença pressuposta para o paradoxo, qual seja, “se Deus fosse onipotente, onisciente e benevolente, então o mal não poderia continuar existindo”. A oposição manifesta entre a existência de Deus segundo esses atributos e a existência do mal fica explícita no argumento de Epicuro, dadas as premissas do modo como foram postas. Para que haja a coerência entre Deus e o mal (tendo sempre em mente todo o argumento, não repetiremos a cada momento que citarmos o problema), uma daquelas três características deve ser suprimida. O que o paradoxo aponta é justamente a impossibilidade da coexistência de ambos “dadas as premissas como são postas” (para entender melhor essa expressão, recomendo os Pri. An. 24b 20-27, onde Aristóteles aborda a definição de silogismo, mesmo que rapidamente). Se a definição assumida de Deus for aquela estipulada nas premissas, o argumento concluirá a inconsistência dela com a existência do mal. Todo o argumento se colocaria do seguinte modo:

“Se Deus for onipotente e onisciente, então ele sabe da existência de todo o mal e tem poder para acabar com ele, mesmo assim não o faz. Então Ele não é perfeitamente bom (seguindo nosso padrão de definição do que seria benevolente. É claro, somente os teólogos podem “afirmar” o que se passa na cabeça de Deus, eu não sei, mas sei que se há um mal que temos poder para extirpar, nós haveremos de fazê-lo).

Se Deus for onipotente e benvolente, então tem poder para extinguir todo o mal que existe, e é bom o suficiente para fazê-lo, pois é benevolente. Mas não o faz, pois não sabe quanto mal existe, e onde está todo o mal. Então Ele não é onisciente.

Se Deus for onisciente e perfeitamente bom, então sabe de todo o mal que existe e é benevolente o suficiente para mudá-lo. Mas isso elimina a possibilidade de ser onipotente, pois se o fosse erradicava o mal. E se Ele não pode erradicar o mal, então por que chamá-lo de Deus?”

Uma observação não pode deixar de ser feita aqui, o terceiro ponto no argumento de Epicuro parece ser o mais fraco, pois pressuporia um certo conhecimento da vontade de Deus (coisa que os teístas são ótimos em saber; tanto Craig como outros crentes afirmam com uma certa tranquilidade sentenças sobre a vontade de Deus, mesmo que como consequência da definição deste, que lhes permite, hipoteticamente, fazer tais afirmações). Craig até irá apelar para tal ponto, pois se Deus existisse, coisa que não se sabe, e fosse de acordo com a definição proposta no paradoxo (Onipotente, Onipresente e Benevolente), seria possível pensar que ele tivesse um propósito para não erradicar o mal, mesmo sabendo dele e sendo Benevolente. Mas somente a despeito de defender a ideia de um ente que não compreendemos para não perceber que isso se chocaria com a ideia que temos de Benevolente (ou perfeitamente bom). Vejamos, se sei que meu filho sofre de câncer, tenho poder para curá-lo e sou perfeitamente bom, por que não curaria? Mas deixemos essas analogias de lado, pois o texto se alonga e ainda não entramos na parte central.

Craig inicia em 1:01 min. (sempre em minutos e segundos) dizendo que o tema já foi amplamente discutido por filósofos. Apenas a fim de apurar melhor seu argumento, Craig poderia muito bem ter citado os tais filósofos e suas respectivas discussões, mesmo que rapidamente, pois não vejo na História da Filosofia essa apreensão tão grande pelo problema como ele mesmo afirma, a não ser nos medievais e filósofos cristãos (não seria um argumento de autoridade, mas reforçaria o seu e traria mais referências para o debate, mas isso não importa muito). Após isso, ele afirma, mas não categoricamente, que parecesse haver um genuíno progresso na discussão quando se faz a distinção entre o problema intelectual e o emocional a respeito da existência do mal. Cada um desses problemas é diferente e deveria ser tratado de modo diferente. Craig inicia a partir do problema intelectual a respeito do mal e do sofrimento no mundo (perceba-se que já em 1: 26 min. do vídeo, Craig começa a desviar-se do problema central levantado pelo ouvinte e do paradoxo propriamente dito). O que Craig faz é trazer o debate para o simples embate ideológico contra os ateus – ou neo-ateus, estou pouco me lixando para o título, mesmo que implique em uma diferença de atitude em relação a teístas – e ao fazer isso ele desvia o foco do problema central lançado por Epicuro para apenas fornecer munição argumentativa aos teístas que desejam vencer seus opositores em debate. Isso fica claro na frase “você precisa se perguntar: o ateu está...”. Isso é algo bastante presente nas discussões hodiernas e em ambos os lados (aqui estou tratando apenas do problema pertinente a teístas e ateus). Não é a busca pela solução de problemas (não que isso seja ideal em todas as áreas, mas nessa, em particular, grande revolução haveria se as soluções estivessem na mesa), mas argumentar mostrando negativamente que o opositor não é capaz de te vencer em debate, o que eu caracterizaria como um tipo de erística disfarçada. Algo deve ser notado em debates como esses, ganhar a platéia é essencial. É o que fica explícito quando ele simplesmente tenta mostrar que o ateu não consegue demonstrar a incompatibilidade entre a existência de Deus e a existência do sofrimento e do mal no mundo, mas ele mesmo não responde às conseqüências do paradoxo satisfatoriamente (veremos mais adiante a simples e hipotética resposta que ele dá, mas julga ser suficiente), a não ser para os crentes em Deus, pois afirmar um livre arbítrio dado por Deus não é só mudar de assunto (já pressupondo que Deus existe e nos concedeu esse livre arbítrio), mas tornar um paradoxo que “permite” a não aceitação da coexistência de Deus e do mal no mundo como resolvido pelas conseqüências da criação de um Deus que esse mesmo paradoxo tenta negar. O argumento seria o mesmo que o seguinte: “Ora, para A existir sendo ao mesmo tempo x, y e z, é necessário que B não exista. Ora, B existe, então é preciso que A não exista sendo ao mesmo tempo x, y e z”; e em resposta alguém dissesse: “Ora A existe sendo x, y e z ao mesmo tempo, ainda que exista B por que A possui C que permite a existência de B”. Seria acréscimo de termos e premissas ao problema inicial sem nenhuma justificativa lógica. A ideia seria enfraquecer o argumento assumindo aquilo que o argumento não pressupõe.

Em 1:39, Craig fala sobre “pressuposições ocultas”, por parte dos ateus, que revelariam essa suposta contradição (vejam, Craig julga ser necessário haver tais pressuposições ocultas para o argumento proceder, e as quais os ateus deveriam manifestar, mas ele mesmo faz pressuposições adicionais ao argumento julgando resolver o problema, por adição de termos e premissas que o argumento inicialmente nega). Mais uma vez a fuga do tema é direcionada para o embate ideológico contra ateus (devo lembrar que, a princípio, isso aqui não é uma defesa do discurso ateu ou neo-ateu, mas uma análise da argumentação de W. Craig). Quando ele afirma a suposta assunção de “pressuposições ocultas” que revelariam essa contradição em 1:39 min. por parte do ateu, fica a pergunta no ar: “que diacho é isso? Pressuposições ocultas?” Ora, o paradoxo de Epicuro não pretende nenhuma pressuposição oculta e nada mais além daquilo que foi estipulado nas premissas (Cf. Aristóteles Prim. An. 24b 19-21). Enquanto paradoxo, e partindo da sentença pressuposta a qual o gerou, os termos dados e dispostos adequadamente no silogismo geram uma conclusão cuja necessidade decorre das premissas e é explicitamente manifesta, de que é incompatível (lembremos, estando as premissas dispostas da maneira como foram e os termos dados) a existência de um A que possui ao mesmo tempo as propriedades x, y e z e a existência de um B, que na melhor das hipóteses permite a existência de apenas duas daquelas propriedades ao mesmo tempo (x, y e z). Ainda mais, dizer que Deus e o mal não são logicamente incompatíveis não torna a frase anterior verdadeira (de que seria necessário haver pressuposições ocultas e que estas seriam manifestas pelos ateus para tornar o argumento válido), nem mostra que Epicuro estava errado na construção, estrutura e na validade de seu argumento.

Analisemos a sentença de outro modo. Ela pode ser reduzida a um modo peculiar do tipo modus tollens. Primeiro reduzamos o argumento de sua forma hipotética construída por Epicuro para uma forma assertórica.

Segue o argumento: “Se Deus é onipotente, onipresente, e perfeitamente bom, então o mal não existe. Ora, o mal existe, então Deus não é onipotente, onipresente e perfeitamente bom”. Em modus tollens : “Se P → ⌐Q. Ora, Q, então ⌐P. O que Craig deveria ter feito era demonstrar que esse silogismo não procede, e que a sentença não implica em uma incompatibilidade dadas as premissas como foram estabelecidas. Mas ele não o faz. Não venha me dizer que era um debate contra neo-ateu, esse não é ponto. O ponto é o argumentar em favor de uma solução ou esclarecimento de um problema, mesmo que não se encontre uma ou não haja esclarecimento, e não apenas argumentar a fim de vencer o debate. Veja bem, terminar com uma pregação, como faz Craig, cujos argumentos necessitam da crença em cristo para encontrar suporte é um desespero argumentativo e a manifestação do apelo ao emocional para ganhar o debate. É a cegueira da razão diante de um problema cuja solução extrapolou as capacidades de análise do indivíduo (no caso, Craig, pois para o ateu não há a necessidade de defender uma compatibilidade entre Deus e o mal no mundo, dado que não há a crença em Deus).

Em 1:47, ele insiste nas “pressuposições ocultas”, mantendo sua fuga do problema central, só que agora jogando a “culpa” para o desconhecimento destas nas costas dos grandes filósofos. Ele não cita sequer um que tenha abordado o problema e falado de possíveis “pressuposições ocultas” consideradas insolúveis (mas isso não é importante para nosso argumento). O que fica tácito no modo de argumentar de Craig é um tipo de dialética da negação (se é que posso empregar o termo dialética em vez de retórica, no caso dele). Esse tipo de argumentação é bem presente em sites teístas, cujo pano de fundo é sempre a vitória no debate, e não uma argumentação direcionada para a solução ou esclarecimento de problemas (mesmo que esses não ocorram).

Em 2:08 vem seu primeiro argumento, e não é muito feliz: “Deus tem razões moralmente suficientes para permitir o mal no mundo”. Sinceramente, se você não vê um problema nessa afirmação, há algo de errado com você (mesmo que a afirmação seja assumida como hipotética). Alguns pontos devem ser ressaltados:

1. É fantástico como teólogos, teístas, cristãos e crentes de um modo geral atribuem predicados (e não vou dizer propriedades, mas também fazem isto) volitivos em relação a Deus. Sem entrar em discussão com a teologia, cujo método dogmático parte da aceitação da existência de Deus, deve-se estranhar esse tipo de predicação, uma vez que o sujeito que a recebe não se coloca de pronto para confirmá-la ou negá-la.

2. Mesmo se aceitássemos a existência de Deus, seu plano divino, a ideia de livre arbítrio concedida por Ele, eu te pergunto: você se contentaria com essa afirmação de Craig, mesmo sabendo que certamente Deus poderia mudar a realidade? (aos críticos de tabelinhas de termos, que penduram um dicionário do lado do PC, entendam o termo realidade no seu sentido amplo, e como a que nos cerca e da qual fazemos parte).

3. Essa afirmação só pode proceder de um silogismo hipotético, e não demonstra que o argumento de Epicuro estava errado na sua forma e validade (não está em questão a análise do valor de verdade das premissas, pois seria outra coisa dado o objeto de estudo ser Deus)

Por mais que Craig admita que essa premissa adicionada tenha o operador modal de possibilidade incidindo sobre sua verdade, esse mesmo operador inserido na premissa adicional não lhe permite inferir a incompatibilidade lógica estipulada no paradoxo de Epicuro.

Em 2:22 min. ele faz uma inversão de papéis. O paradoxo já está dado, o silogismo, dadas as premissas, mostrou a incompatibilidade de acordo com a definição assumida dos termos (sem análise do valor de verdade). Craig então, que havia afirmado que é possível provar que não há incompatibilidade entre Deus e o mal presente no mundo, joga a responsabilidade para o ateu, após inferir a premissa adicional que acabamos de ver. Na realidade, ele é que precisaria defender e explicar a possível premissa adicionada por ele, e provar que aquele predicado volitivo se aplica de fato a Deus, ou mesmo decorre de um silogismo hipotético. Após isso, mostrar que o argumento de Epicuro está errado. É fácil inverter o papel da prova para fugir do argumento central.

Em 2:30, Craig adorna sua falácia com uma suposta crítica aos ateus, e que demonstraria uma incapacidade destes, tudo em favor da vitória no debate. Em 2: 36 min., é fantástico como após não dizer nada de significativo para a resolução do problema Craig diz que o argumento é obviamente fracassado. Ao seguir sua análise em 3:04 min. Craig faz uma afirmação em forma de pergunta um tanto quanto perigosa pra ele: “como pode o ateu saber isso?”, referindo-se à impossibilidade de, se Deus existe, que ele permita o mal no mundo. Como pode Craig saber que, mesmo possivelmente, Deus tem razões morais suficientes para permitir o mal? (a condição de cognoscente necessária para o ateu nessa situação não é diferente para ele). Responder a essa dificuldade dizendo “talvez” em 3:13 min. é no mínimo um desrespeito à argumentação lógica. Se nem ele nem o ateu tem algo decisivo para dizer a respeito do problema (dado a pergunta perigosa citada acima) que ambos se silenciem.

Em 3: 19 inicia-se parte da pregação final de Craig, e começa com uma falácia: a introdução do livre arbítrio como explicação para o problema. Infelizmente nosso texto se alonga por demais, não há a possibilidade de abordar esse problema, mas fica ressaltado que incluir a noção de livre arbítrio para resolver o paradoxo gera uma falácia na reconstrução do argumento todo. Em 3: 27, dentro da pregação final, manifesta-se mais uma vez a dialética (ou retórica) negativa de Craig, quando esse faz apelos sucessivos a hipóteses considerando-as provas conclusivas de um silogismo demonstrativo. Hipótese não é demonstração (o que vale para o argumento de Epicuro, porém, sua validade e estrutura formal não foi refutada por Craig, e a conclusão procede das premissas). Nota-se também nesse momento, mesmo que rapidamente, a introdução do argumento de Kant (Crit. Razão Prática) para o Deus que se esconde em favor do livre arbítrio (analisaremos em outro post). Em 3: 59 min. Craig diz “pura especulação”. Para não me alongar, o que afinal faz Craig? Essa frase não se aplicaria a ele também? Em 4:15 min. ele insiste em frases que colapsam seus próprios argumentos, e somente em 4:26 ele inicia a análise do problema do ponto de vista emocional, que não é filosófico para a maioria das pessoas, no que concordo tranquilamente, mas ainda assim existem implicações diretas nas crenças religiosas. Em 4:46 min. nota-se que Craig defende claramente a ideia de que o Deus cristão não é impessoal ou indiferente (e aqui o apelo ao emocional do público fica mais explicito, manifestando mais uma vez a fuga do problema e a necessidade de apenas vencer o debate ideológico), mas é ainda um Deus que intervém na história humana.

Por fim, em 5:00 min., a pregação aumenta, e fica difícil dar continuidade à analise, dadas as frases emitidas por Craig, que, aliás, defende um Deus que invés de eliminar o sofrimento do mundo, se compadece desse sofrendo junto e matando seu filho para que por livre arbítrio o reconheçamos como salvador (parece um teatro mágico, mas não chega perto de um drama shakespeariano). Observe-se que, e sem entrar em discussão histórica profunda, se remetermos o próprio Craig às frases de 4:15 min., quais são as provas confiáveis para isso que ele afirma sobre cristo no final de sua pregação? Ele termina fazendo apologia a um Deus que convida ao sofrimento em detrimento dessa vida e em favor de uma vida eterna que ele não sabe se existe, mas apenas acredita. E assim se faz de um jogo de palavras o meio eficaz para se ganhar um debate, não importa sobre o que está se debatendo, o que importa é vencer. A verdade?! Ah...! Essa é outra história.

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Thiago Oliveira