segunda-feira, 15 de março de 2010

Sobre as instituições


Gostaria de dar uma certa atenção às várias instituições que se perpetuam através dessa cultura de informação e seus mecanismos. A primeira delas, e aqui a considero como uma instituição consolidada historicamente, será a religião e sua alienação nos processos de transmissão de informações. Primeiramente, gostaria de deixar bem claro minha posição a respeito do tema. Até pouco tempo me considerava apenas um agnóstico e, assim como sua boa definição, aparentava ignorar tudo aquilo que foge à uma explicação racional e científica, não me preocupando muito com tais questões e mantendo um certo respeito hipócrita pelas religiões e suas teorias, mas o incômodo gerado pela passividade como as pessoas recebem e transmitem suas crenças mais absurdas, a submissão religiosa que torna latente a subserviência política e, por consequência, "justifica" as atrocidades sociais presentes nos dias de hoje não permitiram que essa apatia continuasse a se impor, e, por isso, resolvi assumir por completo meu ateísmo (e aqui o defeniria como revolucionário, pois busca na sua afirmação a autonomia da razão em rompimento com a dominação alheia). Um ateísmo que, independente das linhas que se seguirão, afirma para si mesmo a plena consciência da não existência de nenhum ser sobrenatural para além de nossa realidade física e defende, acima de tudo, o ser humano na sua completude. Posto isso, analisemos a religião e sua influência nessa sociedade apática que vive sob o estado da esponja acrítica (gostaria de deixar claro que respeito o direito de escolha de cada um, o direito de defender essa escolha e a própria pessoa enquanto indivíduo que responde por suas escolhas, mas não me fio ao princípio errôneo - e por vezes hipócrita - de que não se deve discutir opiniões alheias quando essas se referem a religião ou coisa do tipo, discordo de toda e qualquer pessoa que escolha regular sua vida baseada em princípios religiosos e mais ainda daqueles que negam a discussão afirmando ser esta imprópria, a discussão deve ser livre, e o direito de exercê-la respeitado).

Como havíamos afirmado em nosso primeiro texto, a “nova cultura de informação” tem como um de seus pilares o treinamento para uma escuta acrítica das informações transmitidas pelas instituições que dominam os meios de informação (sejam eles manifestados pelos vários e diferentes tipos, como propagandas comerciais, partidos políticos, instituições religiosas, etc.). Nesse texto, que será o primeiro de uma série de análises dessas instituições, pretendo expor brevemente o modo como uma dessas, qual seja, a religião, se perpetua através da história da humanidade, sempre utilizando-se de seu poder para manipular o imaginário popular, mantendo-se incólume aos grandes ataques. Primeiro deve-se admitir, juntamente com Conte-Sponville (O Espírito do ateísmo), que não se pode enquadrar todos os tipos de crença sob o título de religião no sentido em que normalmente utilizamos no ocidente (essa concepção teísta de religião, de um criador ordenador, de um salvador, é característca peculiar das religiões ocidentais, pois todo teísmo é religioso, mas nem toda religião é teísta). Tendo isso em vista e a educação que obtive em minha infância, não posso deixar de ressaltar que atacarei em primeiro lugar essa noção de religião imposta ao e pelo ocidente, principalmente o cristianismo, deixando como pano de fundo uma crítica a todo pensamento religioso em geral (o que a nosso ver é pernicioso para humanidade, não somente o cristianismo, o judaísmo e o islamismo).

Uma coisa já se estabelece de início: “deus”, se esse existe, deve ser tomado como um objeto de estudo transcendente, já a religião é uma criação humana e faz parte da nossa história (quer queira quer não). Ao se tratar de religião, se trataria muito menos de questões metafísicas do que de questões sociológicas e antropológicas. Não há como fugir disso: nós criamos as religiões, e nós permitimos que elas se perpetuassem ao longo de nossa história. De que modo? Aceitando acriticamente todas as ideias transmitidas por nossos antepassados sem o mínimo de avaliação criteriosa, fazendo valer, assim, o princípio determinante para toda cultura de informação. O treinamento para a escuta acrítica se inicia já na infância. Em nossa sociedade, é totalmente normal uma criança ser iniciada na religião dos pais desde os primórdios de sua idade. Do mesmo modo que ela não tem o direito de escolher uma religião para seguir já na sua infância, o que é vetado pelos pais ou responsáveis, a ela também não é permitido refletir sobre os princípios religiosos que lhes são incutidos na mente por meio de uma lavagem cerebral totalmente articulada. É absurdo como em algumas culturas se fala tão facilmente de uma criança cristã, judia, ou islâmica. Em contra partida, não encontramos nenhum pai afirmando que seu filho é capitalisa ou socialista, nem republicano ou democrata, não há o enquadramento de crianças dentro de concepções sócio-políticas ou econômicas, pois os pais julgam que essas mesmas crianças não podem ser submetidas e esse tipo de pecha, enquanto uma religiosa sempre se faz necessária. Não que eu defenda que isso também deva ser feito. Nenhuma das duas atitudes é correta a meu ver. Uma criança não tem idade e nem capacidade para discernir o fato de ela ser enquadrada dentro de um pensamento religioso. Logo, a necessidade de crer em algo sobrenatural tende a preponderar, quase em toda parte, sobre o desejo de liberdade, e isso é transmitido dos pais para seus filhos (essa transmissão não se resume aos pais ou responsáveis, como vimos nos posts anteriores, a cultura de informação pode nos atingir de qualquer lado, inclusive através de amigos influentes, ou blogs como este, portanto, leia isso e reflita, não aceite imediatamente o que escrevo em poucas linhas). E quando o desejo da crença supera o desejo da liberdade, surge a religião. Muitas vezes ocorre até o pior, a noção de liberdade passa a ser subsumida pela crença, dando ao crente a falsa sensação de que fora da sua religião não há liberdade, ou mesmo que sem "deus" não há liberdade. A imposição de uma crença pode se dar em vários níveis. A necessidade de se pedir “benção” ao parentes mais velhos, aos pais e avós; a ideia de que se fizer algo ruim será castigado por "deus"; a noção de inferno; os feriados instituidos por lei (devo admitir que adoro essa parte), etc., tudo isso faz parte dessa imposição e transmissão cultural feita pela religião. Não somente não é dada a chance para a criança escolher outro tipo de crença que não a dos pais, mas também não lhe é dada a chance de escolher ter ou não algum tipo de crença. Isso está fora de questão.

E eis a pergunta: por que precisamos de uma religião? Não podemos viver sem ela? Se você responder ambas as perguntas dizendo, sem refletir o bastante, que sem religião o mundo seria pior , eu diria que você é um covarde por não assumir que você é o único responsável por suas ações e pelos reflexos destas sobre o mundo em que vive. Se você necessita de um "deus" para regular suas ações e dizer que você não pode matar, ou roubar, etc., você está fugindo da sua responsabilidade. Se você se acomoda com a ideia de que todo sofrimento nesse mundo será recompensado com uma vida farturosa após a morte, você não passa de um covarde que aceita as injustiças presentes na realidade vigente e concede a um amigo invisível o dever de resolver esse problema em um futuro imaginário. Mas não tornemos esse texto tão romântico assim. Cabe-nos apenas fazer notar que a aceitação acrítica de uma religião nos coloca naquele estado de esponja mencionado no post anterior. Com isso não quero dizer que você deve refletir sobre qual religião escolher, mas, e principalmente, refletir sobre o fato de que você não necessita de uma religião para viver uma vida feliz, saudável e moralmente respeitável (questões morais serão abordadas mais especificamente em outros posts).

Um absurdo vem acontecendo nos EUA nos últmimos anos: a luta para a inclusão do designe inteligente como disciplina curricular nas escolas de segundo grau (salvo engano ainda não foi aprovado "graças a deus"). Esse design inteligente nada mais é do que uma teoria neocriacionista surgida em 1920 que defende a ideia de um ser criador do universo sem apontá-lo. Existem escolas confessionais que colocam em pé de igualdade o ensino do evolucionismo, cujas bases científicas se assentam em evidências e não certezas sem provas, com o criacionismo. Outras, como no estado do Kansas, excluíram o ensino do evolucionismo e em seu lugar ensinam às crianças que o mundo não tem mais que 5 (cinco) mil anos; que a mulher foi feita de uma costela de Adão. É brincadeira?!! De uma coisa certamente as mulheres podem se orgulhar, elas não contribuíram em nada com a escrita da bíblia.

Toda essa imposição de teorias e hipóteses das mais absurdas tem sido aceita com muita facilidade por grande parte da cultura ocidental. Muitas vezes essa aceitação vem acompanhada de um simples medo: daquilo que pode acontecer após sua morte. A religião tem a capacidade de dar à morte uma realidade que ela não tem, tornando os vivos presos em um medo aterrador de uma realidade punitiva chamada inferno. A vida e os valores morais são regulados e ordenados tanto por esse medo quanto pelo anseio de uma recompensa ao fim da jornada. As ações assim praticadas não são feitas por dever ou sinceridade humana, mas sim por um interesse último que só poderá ser satisfeito por esse amigo invisível que a tudo observa e julga. A religião retira do ser humano sua dignidade tornando-o suscetível a doutrinação. Para não me alongar mais, citarei dois autores, o primeiro deles um humanista e ateísta, André Conte-Sponville: "Sinceramente, será que você precisa acreditar em "deus" para pensar que a sinceridade é melhor que a mentira, que a coragem é melhor que a covardia, que a generosidade é melhor que o egoísmo..., que amor é melhor que o ódio?" O outro é um grande físico, Steven Weinberg: "A religião é um insulto à dignidade humana. Sem ela, teríamos pessoas boas fazendo coisas boas, e pessoas ruins fazendo coisas ruins. Mas para pessoas boas fazerem coisas ruins é necessário a religião." Certamente a discussão é infindável e polêmica, mas como o blog tem, em primeiro lugar, a intenção de propor discussões e não doutrinar em determinadas teorias, encerrarei meu texto por aqui, caso seja necessário, desenvolverei o mesmo tema em outro post, mas encerro com uma frase de uma poesia minha: "aquele que entrega a justiça do mundo nas mãos de um amigo invisível , comete o maior crime contra a humanidade."


Thiago Oliveira